Pretinho (O gato preto!)

Em uma ninhada de sete irmãos, ele era o único gatinho preto da família, porém sua mãe nunca fez nenhuma distinção, sempre tratava todos os filhotes da mesma maneira, ensinando os segredos das ruas, a malícia e os perigos que iriam encontrar pelo caminho e principalmente reforçava a importância de sempre se manterem dignos, independente dos percalços da vida, mas o pretinho não tinha noção do que iria enfrentar.

O tempo passou e sua mãe percebendo que não aprenderiam nada se continuassem sob seus cuidados, instintivamente os deixou, a partir de agora estavam por conta própria. Nesse momento cada irmão foi para um lado e tiveram que colocar em prática tudo que sua mãe lhes ensinou, o primeiro desafio era procurar um bando, pois a chance de sobreviver sozinho nas ruas era quase nula.

E aí começou a saga do pretinho, primeiro bando, nada, diziam "aqui não aceitamos gatos pretos, sai fora bruxa!" e saiu sem entender o que houve, na segunda tentativa, outro bando, infelizmente também sem sucesso "Eita um gato preto, corram, corram...", e o pretinho pensava "mas correr por quê? o que eu fiz?" e o pequeno gatinho continuou sua saga, depois de algumas "muitas" tentativas, percebeu que o fator principal de não ser aceito em nenhum bando era devido a sua cor, afinal um gato com pelagem de cor escura, era muito associado à crença de que gatos pretos eram bruxas transformadas em animais e por isso era motivo de azar.

Ele precisava fazer alguma coisa, isso não estava certo, pensava o pobre gatinho e nesse momento, como um lampejo, uma idéia lhe surgiu, "já que não sou aceito porque ironicamente sou diferente dos outros gatos, então serei diferente, mas não devido a minha cor, serei diferente na postura, no empenho e na vontade de ser um gato diferente dos outros...". A partir desse momento, começou a observar de longe a rotina de cada bando e percebeu muitas semelhanças, todos caçavam ratos, pombos e pequenos animais e todos corriam de cães e decidiu assim observar o outro lado da história também, passou então a prestar atenção na rotina dos ratos e em como se comunicavam uns com os outros, nos cães focou mais na questão do porque da implicância com os gatos, mas o que dificultava era o fato de pretinho só falar "gatês", então começou a estudar a linguagem dos outros bichos, queria ser poliglota, entender o "ratês" e o "cachorrês", não foi fácil, dia e noite ficava nos telhados só ouvindo o som dos outros animais, associava cada som a cada ação e tentava repeti-los, os dias foram passando e ele sabia que precisava testar o que aprendeu.

Aproveitou um dia calmo e chuvoso, quando não tinha quase ninguém na rua e como já sabia onde ficavam os ratos, se aproximou bem devagar e já começou a ouvir a conversa de três deles numa viela, a abordagem teria que ser suave, caso contrário seu plano iria por água abaixo, era agora ou nunca...

- "Olá amigos!"

Porém quando os ratos viraram e deram de cara com o bichano, correram e enquanto gritavam pretinho dizia:

- "Não corram, não vou machucá-los, por favor, me digam apenas se estão entendendo o que eu digo..."

Nesse momento um deles dá uma freada e surpreso lhe responde com outra pergunta:

- "Porque estamos entendendo o que está dizendo? Você é um gato..."

- "Sim eu sou, passei muito tempo estudando ratês, não queria assustá-los..."

Mais curiosos que assustados, os outros dois ratos voltaram, curiosos sim, mas desconfiados também, então a uma distância segura, começaram a encher o gato de perguntas, que prontamente respondia, explicou os reais motivos que o levaram até aquele momento e a dificuldade que teve de encontrar um bando. Ao final estavam os quatro animais conversando, batendo papo sobre outros assuntos banais e aparentemente criando laços de amizade, algo totalmente improvável e até bizarro aos olhos de outros bichos, mas essa cena se tornou corriqueira, pois todos os dias se encontravam para conversar, às vezes pretinho trazia alguns petiscos que encontrava nas lixeiras da cidade, outras vezes os ratinhos é que traziam e essa troca acabou atraindo outros ratos para roda.

Pela primeira vez pretinho se sentia parte de um bando, diferente é verdade, mas se ele era "diferente", como os outros diziam, que problema havia de ter? O tempo passou e pretinho precisava dar andamento aos planos de sua mãe, o primeiro desafio, que era achar um bando, já estava finalizado. Porém, ele precisava testar seu "cachorrês", mas onde? Com quem? Com a ajuda do seu bando, que conhecia muito bem cada canto da cidade, foi instruído a ir a um canil, primeiro porque eram cães adestrados e segundo porque estaria protegido por um portão que separava os cães do ambiente externo.

Com a cara e coragem, pretinho foi de encontro ao "perigo", a jornada acabou quando chegou ao canil, de fora já podia escutar os latidos, conversas paralelas, cães falando sobre diversos assuntos, desde territórios novos conquistados, até o nascimentos dos filhotes da cachorra mais "gata" do canil, bem... Pelo menos pretinho estava entendendo as conversas, o teste agora era falar o "cachorrês".

- "Olá amigos!"

Mas diferente dos ratos, mesmo se estivessem soltos, não correriam dele, correriam na direção dele.

- "Quem está aí? Eu conheço esse cheiro!"

Os cães ficaram loucos, irrequietos, afoitos, agitados...

- "Por favor, calma pessoal, eu só queria falar com vocês..."

- "Quem quer falar? Você late, mas seu cheiro não é de cão, quem é você?"

- "Sou um gato..."

Nessa hora o canil fervilhou, todos latindo ao mesmo tempo, tentando entender como um gato estava falando cachorrês, como isso era possível, até que em um dado momento o líder, o alfa do bando, deu um latido fazendo com que todos ficassem quietos...

- "Pois bem gato, explique essa história direito..."

Meia hora depois, acabou a sabatina e os cães mais calmos começaram a olhar pretinho de outra maneira, alguns mal entendidos foram resolvidos, dúvidas foram sanadas e um novo laço estava prestes a ser criado, constantemente o bichano voltava ao canil para trazer notícias e novidades da cidade e com isso acabou ganhando a confiança dos cães, às vezes até trazia, ou melhor, sorrateiramente entrava no depósito de ração e "roubava" algum petisco diferente para os amigos.

Nessa fase da sua vida ele pensava como era bom fazer parte de um bando, porém melhor que um, era fazer parte de dois, pois sempre visitava seus amigos ratos, os assuntos eram diferentes, com os roedores, aprendia a malandragem das ruas, os melhores lugares para visitar, comer e descansar, já com os cães o papo era mais "cabeça", falavam sobre a importância de serem domesticados, adestrados e o que poderiam receber como recompensa por serem tão fiéis e dedicados.

E numa dessas conversas, os cães lhe perguntaram:

- "Mas amigo, porque não aprende a linguagem dos homens?"

- "Olha, nem te falo, eu até tentei, mas nenhum bicho consegue entender os homens, eles se dizem inteligentes, mas já vi cada barbaridade feita por eles nessa vida, nós que somos animais, ainda temos o instinto que predomina em nossa existência, mas eles matam por tão pouco, às vezes até por nada, roubam e o pior, sabe a minha história? Quando eu te disse que não conseguia entrar em nenhum bando por ter a pelagem de cor escura? Pois é, foram eles que inventaram essa besteira..."

(Que as nossas diferenças sejam apenas o motivo para sermos diferentes dos que se dizem normais e comuns.)

Moises Tamasauskas Vantini
Enviado por Moises Tamasauskas Vantini em 24/09/2014
Reeditado em 24/09/2014
Código do texto: T4974737
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