Quíron

Era ali o lugar. A mulher não mentira.

A pequena curva da estrada não fazia supor a orla que se abria num arco gigantesco a perder-se para além dos contrafortes do penhasco.

Muito longe, na direção leste, começava a terra do crescente.

A mulher tinha dito a verdade.

Uma nuvem de pó na distancia, seguida dum rugido surdo de trovão, num contraste estranho ante o dia calmo e o mar tranqüilo, surgiu no horizonte.

O som parecia vir de muito longe visto que a nuvem não se dissipava.

Podia notar, no entanto, alguns pontos escuros, outros claros ou manchados em meio ao turbilhão que ribombava cada vez mais próximo.

Foi numa manhã assim em frente a grande mesquita de Peshwar, no emaranhado opalescente dos mármores, julgou perceber um estranho alfabeto entrelaçado nas raias; letras, símbolos , formas que pareciam animais ou talvez a grafia incerta de um nome.

Formas que agora julgava ver envoltas na nuvem que se aproximava ainda difusa.

O nome a mulher lhe revelou num momento de febre e êxtase: Cáspio.

Ali estava ele agora, naquela praia, o coração batendo rápido, e a nuvem se aproximando.

Foi quando de súbito a nuvem foi se dissolvendo rapidamente e do alto daquele cômoro ele pode ver. Viu e não acreditou no que viu.

Os gregos afirmavam que um deles tinha sido o mais sábio dos seres e que foi mestre de heróis e de deuses, e que num sonho, alertou Aquiles sobre os perigos que cercavam os Aqueus.

Ainda meio incrédulo conseguiu divisar os elmos e as espadas que pendiam por seus flancos musculosos, agachado na relva, avistou um que trazia no braço um bracelete vermelho.

Agora o som próximo era realmente o de um trovão que fazia tremer o solo e de algum modo agitava o mar.

Quantos eram? Cem, duzentos, mil? Era impossível saber, o som estremecia até o olhar.

Nesse instante que parecia eterno, sentiu horrorizado o contato de uma lâmina fria em sua garganta. Foi se erguendo lentamente, mas sem levantar o rosto, ao ficar de pé, percebeu que a lâmina se projetava de bem acima de sua cabeça. Ao olhar para o chão, fitou os cascos.

— Sou apenas um homem, disse com a voz quase sumida.

Nenhuma resposta, apenas o trovão ao longe, agora já começando a diminuir.

Os cascos se moveram inquietos na areia, ainda fitando o chão, sem conseguir erguer a cabeça, notou a pelagem clara e a calda que quase chegava até o solo, mas não notou as pernas. Foi quando a espada se moveu e afastou-se de sua garganta, lentamente.

Sigurd atravessou dois oceanos para mal tocar o litoral da Saxônia, ele, mal chegara a ter certeza de sua vida e agora talvez, iria morrer, pensou.

— De todas as formas do universo, o circulo é a única que não se corrompe. É sempre a mesma, em qualquer escala ou posição no espaço-tempo.

Falou a voz forte, em meio ao rangido dos cascos que se agitavam.

Na cintura, que se unia ao tronco musculoso, findava a pelagem clara e curta, daí para cima, o torso hercúleo de homem, adornado por um símbolo em forma de unicórnio que pendia de um colar quase coberto pelos longos cabelos. Assim o viu, no seu terror.

Mal cobrira o rosto com as mãos, como para ver se estava num sonho, percebeu a disparada daquele ser, indo na direção daqueles que se afastavam ao longe.

O som e a nuvem de areia já sumiam na distância enquanto fitava, agora em pé, a grande curva da praia.

O ser tinha lhe transmitido algo cifrado naquelas palavras sobre a perfeição do círculo, caberia a ele buscar entender o sentido oculto dessa mensagem.

Só Deus é eterno , o inescrutável.