Miniconto


- Olá, "amigo TER, quer trocar de lugar comigo?
- Por que, amigo SER?
- Porque SER é muito difícil. Não me sustento, a toda hora tenho que mudar.
- Explique-se, amigo SER. Se você muda então você não é, apenas está.
- Como eu posso ser tantos ao mesmo tempo? Às vezes sério, às vezes alegre, às vezes triste. Para eu ser precisaria ficar indiferente, introspectivo, sossegado.
- Ah! Mas não seria monótono? Veja eu. A toda hora uma novidade! Tenho muitas coisas e estou sempre querendo mais. Se abuso de uma coisa logo surge outra. Não paro. Insatisfação é o meu nome. Mas, pensando bem, essa inquietação é muito cansativa também. . Você não iria gostar.
- Poderíamos fazer uma experiência. Se só SER é monótono e só TER é cansativo poderemos nos associar. Quando você cansar de tanto TER  eu lhe empresto o meu SER  para você sossegar e você me empresta o seu TER para eu fugir do SER.
- É arriscado amigo. Você pode não ter retorno, pois quando se tem dificilmente se quer perder. O mais difícil é o desapego para voltar a ser. 
- Arrisco experimentar se você topar.  Quem sabe vai ser uma boa experiência para nós dois? Além de divertido.
- Façamos o seguinte: vou parar por uns tempos o TER. E você escolhe algumas coisas que eu já tenho e fica com elas. Se eu não sentir falta delas nem desejar outras, por enquanto,  é sinal que poderemos fazer um acordo. Eu assumo o seu SER, provisoriamente, só para experimentar, combinado?
- Combinado. Vamos ver o que você tem, ou o que  me interessa.
- Fique à vontade amigo SER. Escolha o que quiser, mas lembre-se de devolver caso eu solicite. Vou fechar os olhos e ficar na minha enquanto SER e você TER.

E assim foi feito. O SER ficou inebriado com os bens materiais do TER e incorporou tudo: Carrão,  celular avançado, roupas de grifes, televisão de  última tecnologia, cartão de crédito, etc..  Vestiu-se bem, entrou no carrão, e saiu para dá umas voltas, andou por vários lugares, fez novas amizades, conquistou vários amores, e nem lembrava mais do SER  que tinha deixado dormindo.
 Cansado de esperar, o SER perguntou se não estava na hora de devolver o que tinha tomado emprestado do TER.
-Ainda nem comecei a sentir o gostinho do TER e você já está me cobrando? Durma mais um pouco.
- Tudo bem, fique à vontade. O SER está me deixando mais leve, acho mesmo que estava precisando de um descanso, de um relaxamento.
- E eu de uma injeção de ânimo. Vou trocar de carro, celular, e comprar roupas novas. Quando chegar a hora lhe devolverei tudo.
- Não  demore muito porque você corre o risco de não me encontrar quando voltar.
Mas o TER nem ouviu o que o SER falou, e continuou nas suas aventuras e buscas de novos bens materiais. Até que um dia se viu com um problema muito sério de saúde que fez seu corpo definhar, e, mesmo usando todos os recursos que tinha tomado emprestado do Ter, de nada adiantou. E  ao se olhar no espelho e não se reconhecer,  perguntou: 
Quem é você? 
E o espelho respondeu: eu sou o SER, que esperou muito tempo por sua volta.
E onde está o TER? 
Eu é que pergunto, onde está o TER? 

 
Darcy Brito
Enviado por Darcy Brito em 06/11/2015
Reeditado em 10/11/2015
Código do texto: T5440383
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