Chapeuzinho Vermelho na Versão da Vovó

Bem. Deixa eu me apresentar! O meu nome é Norma, mas todo mundo me conhece mesmo é como a vovó da Chapeuzinho Vermelho. E até que eu gosto disso sabe?!... Fui eu quem deu aquele capuz vermelho pra ela, nem imaginava que ela iria gostar tanto, a ponto de só querer usar ele.

Tive muita sorte com minha netinha, ela sempre foi muito meiga e obediente, não tenho do que reclamar; talvez por isso eu nunca tenha medido esforço para fazer qualquer coisa que a deixe feliz. Ela mora com sua mãe em uma cabana bem na entrada da floresta, próximo ao vilareja, mas minha filha, a sua mãe, de vez em quando faz deliciosos doces e pede que ela leve para mim, por isso estamos sempre juntas. Família unida é tudo!

Eu moro em um bosque, as margens de um lindo lago, onde posso cultivar belas flores e tenho o privilegio de conviver com várias espécies de animais sem precisar mantê-los presos; eles até parecem confiar em mim. Tem um, porém, que não é muito amável, é traiçoeiro; ardiloso... De vez em quando tenta aprontar. Mesmo assim eu sempre procurei respeitar o espaço dele. Isso até ele se meter com a minha menina!

Eu acho até que vocês já devem saber de quem eu estou falando. Pois é!... É dele mesmo, o Lobo Mau. A minha netinha, a Chapeuzinho Vermelho, sempre foi muito esperta, corajosa. Puxou a vó. Sua mãe não se preocupava em lhe mandar ir até a floresta sozinha, pois sabia que Chapeuzinho era muito responsável; ela lhe entregava a cestinha de doces e Chapeuzinho adentrava a floresta com todo o prazer, sempre cantando! Chapeuzinho sabia da existência do Lobo Mau, mas nunca o tinha visto, pois até então ele nunca tinha ousado a se aproximar dela.

Certo dia a mãe de Chapeuzinho, preparou uma cesta de doces e lhe entregou para que ela fosse levar até minha casa. Nem precisa dizer que ela já adentrou a floresta, cantando! Minha neta nessa época era um poço de inocência, era um bebezão. O Lobo Mau que era muito esperto, porém preguiçoso, por sua vez, estava deitado em baixo de uma arvore aguardando passar algum bichinho para ele almoçar. Até aí tudo bem, é o normal na floresta seguindo o processo da cadeia alimentar. Só que nesse dia ele armou pra cima da minha menina. Ah, quando eu fiquei sabendo, virei bicho!... Era melhor que ele tivesse mexido comigo.

Como eu já falei, ele estava deitado em baixo de uma arvore, quando viu que Chapeuzinho ia passando a cantar, ele então se levantou rápido e tomando a sua frente, falou: “Linda menina, pra onde vais tão feliz a cantar? Acho que te conheço... você por acaso não é Chapeuzinho Vermelho? Sim, claro que sim, bem que sua vó me falou que você gostava muito de cantar e que tinha uma voz invejável”.

Ela então confirmou que sim. Vocês acreditam que ele teve acara de lata, não é de pau não, é de lata mesmo, de falar que estava ali exatamente aguardando alguém passar para ajudá-lo e, que bom que havia sido ela a primeira pessoa a passar, pois estava tendo dificuldade em atender a um pedido meu? Falou que eu estava doente e que havia pedido para ele colher umas ervas para fazer um remédio; e que havia aceitado a tarefa por gostar muito de mim, mas estava com um pequeno problema, pois a pesar de viver na floresta, não tinha muito conhecimento com plantas, mas sabia que Chapeuzinho tinha e com certeza iria poder ajudá-lo. E com aquela conversa bonita, ele a convenceu entregar a cestinha de doces em suas mãos, garantindo a que enquanto ela ia à busca das plantas para fazer o meu remédio, ele iria à frente e me entregaria os doces.

Ele havia esquecido que eu sempre tive o habito de dar uma voltinha pela floresta de vez em quando, isso me faz muito bem! E para azar dele, eu ia passando exatamente naquele momento de sua armação; vi e ouvi tudo: Depois de Chapeuzinho lhe entregar a cestinha de doces e sair, ele falou: “Por que pegar só um pássaro, se poço pegar dois?”.

Entendi na hora que ele estava tramando algo. Então falei comigo mesma: Ele está precisando de uma boa lição! Conhecendo tudo por ali, peguei um atalho para chegar a casa antes dele, daí preparei tudo para sua chagada. Morando no meio da floresta praticamente a minha vida toda, aprendi truques valiosos para minha defesa e sobrevivência, então preparei uma surpresa pra ele e deitei-me, tranquila, tranquila.

O Lobo Mau chegou e bateu na porta fingindo ser a Chapeuzinho, até disfarçou a voz, na tentativa de me enganar, o mandei entrar. Fiquei atenta a todos os seus movimentos: Seus paços andando em direção ao meu quarto; o barulho do trinco da porta; o ranger das dobradiças... Eeeeeee!... Zap. Ele pisou no laço da armadilha logo ao atravessou a porta, essa disparou e ele ficou preso pelo pé, dependurado de cabaça para baixo. Daí foi fácil!

Agora vou falar uma coisa. Eu que já estava com raiva, quando vi a cestinha de doces que minha neta estava trazendo para mim, caída no chão e, doces espalhados por todo meu quarto, eu fiquei com mais raiva ainda. Eu tinha guardada, uma relíquia que pertenceu a minha mãe, fui pegar, era uma enorme palmatória; linda! Com muito cuidado, atei para frente, as mãos e os pés do Lobo, de forma a ficar tudo bem emparelhado, daí eu dava lhe um bolo em cada mão, depois um em cada pé; em seguida eu conversava um pouco com ele, lhe explicando as regas para o bom relacionamento na floresta...

De vez em quando ele fechava as mãos ou dobrava os pés, daí eu lhe fazia a mesma pergunta que a minha mãe me fazia: “Você prefere nas mãos, ou nos dedos? Olha, eu creio que nos dedos vai doer mais”. Ele então abria as mãos e eu aplicava mais um bolo. Não demorou muito tempo a nossa dinâmica, pois o Caçador, que havia sido chamado por Chapeuzinho, invadiu a casa e foi correndo em direção ao quarto, já de arma em punho, gritando larga ela!... E é claro, ficou atordoado quando percebeu que quem estava precisando de ajuda não era eu.

Vou te falar uma coisa: Nada como um bom diálogo, para um perfeito entendimento entre as partes, desse dia em diante não tivemos mais nem uma divergência, pelo contrario, ele passou a fazer questão de não se aproximar da estrada ao perceber que Chapeuzinho ia passando.

Agora veja isso. Eu sei que você, há décadas vem ouvindo que o Lobo vestiu a minha roupa; deitou na minha cama; e que em segui me engoliu; que o Caçador abriu a barriga dele pra me tirar lá de dentro, etc. etc. e etc... Mas nada disso aconteceu. Eu só precisei de uma boa palmatória para que ele revesse os seus conceitos.

E sabe o que eu acho? No tempo da palmatória não havia tantos bandidos!

Cícera Maria
Enviado por Cícera Maria em 17/03/2021
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