A LENDA DE ITARARÉ.

O caixeiro viajante avistou uma casinha, ao pé da serra. O rio Paranapanema ali perto, no limite entre o estado de São Paulo e o Paraná. A chuva se formava e a noite caia. O cavalo exausto. -"Melhor parar e pedir pouso." O homem de chapéu e terno de linho bem cortado bateu palmas. Um cachorro se aproximou. Ele latiu e olhou pra porta, como se chamasse seu dono. Um velho caboclo abriu a porta. O cachimbo na mão. -"Tarde, amigo. Preciso de pouso." Disse o viajante, tirando o chapéu. -"O amigo entre e fique a vontade." A chuva caiu abundantemente, pouco tempo depois. Conversa vai, conversa vem entre um gole de café e outro. O fogão a lenha, a lamparina, as redes pra dormir. O cachorro num canto. A conversa descambou para o lado das fábulas e lendas. -"O senhor não tem medo de morar aqui sozinho?" Perguntou o viajante. -"Tinha medo quando eu era criança. Medo de ir a gruta de Itararé e ver a Jaíra." O viajante se interessou pela história. -"Quem é Jaíra?" O velho se levantou e continuou. -"Meu avô me contou que a lenda de Itararé começou no Brasil colônia. Aqui existiam muitos índios, na beira do rio Paranapanema. Eles foram expulsos pois os brancos faziam maldades com eles, além de transmitirem doenças. Os índios iam embora e foram cercados pelos soldados. Uma briga feroz. Os índios conseguiram escapar mas os soldados, chefia dos pelo tenente Antônio de Sá, homem forte e corajoso, capturaram a Índia mais linda da aldeia. -"Já sei. Era a Jaíra!?" O viajante virou a cadeira, entusiasmado. -"Exato. Os índios se uniram a outras tribos e decretaram guerra. Prepararam a festa do curare ou uirari, um veneno entorpecente feito de um cipó. Se pintaram pra luta, dançando e cantando. Cabia a mulher mais anciã da aldeia preparar o curare, indo no mato cortar cipó e o ferver numa panela grande de onde o vapor subia. Ela aspirava o vapor e morria. Era a tradição. Esfriado o curare, havia dança dos guerreiros, em volta da panela, onde as flechas deles eram umedecidas no veneno. Um velho pajé veio de longe e disse que os brancos tinham canhões e armas letais que matariam a todos num instante. -"Façamos o seguinte. Eu irei até o tenente e direi que desertei da aldeia. Direi que quero ajudar os brancos. Infiltrado, eu colocarei, na bebida do tenente, um elixir de encantamento que o fará se apaixonar por Jaíra. Ela terá acesso aos alimentos deles e poderá envenenar tudo. Com os brancos entorpecidos, nós atacaremos e os mataremos sem dó. Esperem aqui. Quando a saracura cantar três vezes, na lua nova, será o sinal para o ataque." O conselho dos índios aprovou a idéia. O velho índio partiu pra cidade, levando as raízes de encantamento. Os índios esperaram em vão. Dias inteiros se passaram. O tenente se apaixonou por Jaíra e ela por ele. A índia passava as noites na tenda do tenente. Um amor intenso e avassalador. O velho índio retornou pra aldeia, sem conseguir concluir a parte final de seu plano. A notícia do caso de amor do tenente Antônio de Sá e da bugra Jaíra chegou aos ouvidos da esposa do tenente, em Santos, onde moravam Uma semana de viagem e a esposa do tenente Antônio de Sá chegou ao acampamento militar com uma grande comitiva, financiada por seu pai. Houve briga no acampamento e os gritos da esposa furiosa podiam ser ouvidos a distância. Triste, Jaíra queria ir embora. -"Eu te amo, Jaíra. Não pode me deixar." Disse o desolado tenente, recebendo a indígena na sua tenda. -"Vamos fugir, meu tenente. Eu o esperaria na beira do rio, na gruta de Itararé. Essa noite." Eles se beijaram. -"Quando a lua estiver alta, cantarei igual a araponga branca. Se você não chegar, vou amarrar cipós aos pés e cairei no rio." Jaíra ouviu a voz da esposa do militar, ao longe. Ela saiu da tenda chorando. A índia entrou na mata. O tenente permaneceu imóvel. A noite caiu. A lua alta no céu. A araponga branca cantou por três vezes. Jaíra olhava as águas cristalinas do Paranapanema. As suas lágrimas se misturaram às águas. Uma tempestade caiu. Os raios caíam ferozes perto do acampamento, matando alguns cavalos e bois de Antônio de Sá. O chefe dos soldados não apareceu na gruta de Itararé. A chuva forte parou ao amanhecer. O tenente foi, com quatro soldados, até a gruta. Os barrancos na beirada do rio. O perigo de desabamento. O rio cheio e turbulento. -"Jaíra!" Gritou o tenente. Um soldado achou as roupas da índia, sobre uma pedra. Um colar de coquinhos e uma coroa de flores de maracujá foi recolhido pelo tenente. -"Jaíra!" O desespero. Alucinado e fortemente triste, o tenente pulou no rio e nunca mais foi visto. A esposa do militar foi avisada e chegou, pouco tempo depois, com sua comitiva. Os soldados contaram o ocorrido. A mulher ficou possessa ao ver as roupas da índia. Ela cuspiu três vezes no rio e o amaldiçoou. As águas abaixaram, quase a ponto de secar totalmente o rio. Os peixes desaparecem por um longo tempo e as árvores grandes morreram." O viajante estava boquiaberto. Quem anda a noite, na gruta de Itararé, vê a Jaíra, toda de branco com a coroa de flores de maracujá. O tenente está com ela. De vez em quando, Jaíra mata os viajantes e usa o sangue deles pra reanimar o seu amado tenente." O viajante sentiu um calafrio. -"Meu Deus. Foi até bom eu não ter seguido viagem." O velho caboclo sorriu. -"Foi mesmo." F I M

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 18/07/2021
Reeditado em 18/07/2021
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