NATUREZAS MORTAS

Com dezessete anos descobri a pintura surrealista e acreditei que o mundo tinha me dado todas as respostas de uma vez; o surrealismo era o fim de todas as incógnitas surgidas com o aparecimento do homem no planeta. Tal ilusão é perfeitamente compreensível num rapaz tão novo, sem experiência de vida e de artista.

Uma das soluções fáceis era apelar para o aspecto literário da obra visual, e isto se conseguia dando títulos paradoxais ou simplesmente obscuros.

Vem-me à mente o Nu esotérico, quadro nunca pintado pelo meu amigo, o artista colombiano Rodrigo Barrientos, que não era surrealista, mas gostava de brincar com as palavras associadas aleatoriamente às imagens virtuais.

Naquela época longínqua pintei uma mulher sentada numa cadeira em atitude de abandono, como se estivesse muito cansada e/ou angustiada, pois o rosto não era visível e as mãos descansavam lassas sobre as coxas. O resto do quadro – em tons de cinza, como correspondia ao tema – era um ambiente indefinido, sem móveis ou utensílios que permitissem identificá-lo. Poderia ser um quarto de hospital ou uma paisagem desolada, sem linha do horizonte. O título: Natureza morta.

Isto intrigou alguns amigos. Para eles a natureza morta era um gênero tradicional que apresentava a reunião de objetos inanimados. A minha obra era do gênero nu, alegavam. Tive então a oportunidade de exibir o meu recente conhecimento das teorias expostas por André Breton e companhia. Atividade cansativa, porém satisfatória para a vaidade do projeto de artista.

Anos mais tarde, curado da soberba do neófito, conheci a pintura expressionista e a obra de Edward Hopper.

Identifiquei no norte-americano algo do sentimento de minha obra juvenil. Suas mulheres solitárias enclausuradas em ambientes domésticos, em roupas de dormir ou nuas, sentadas, reclinadas, de pé, de frente ou de costas a janelas de luz crua, fazem-me pensar em naturezas mortas: seres de vida suspensa pelo pincel do artista. Algumas parecem esperar algo que as transforme, outras já nada esperam. Estas mulheres são a crônica de vidas frustradas em algo que nunca saberemos, mas que retorna toda vez que contemplamos o quadro. Este fascínio paradoxal se repete nas suas pinturas de casarões solitários em paisagens desoladas. Seus quadros param no limiar da revelação, como todas as grandes obras; exatamente o sentimento procurado pelo surrealismo. Sem a parafernália espalhafatosa de um Salvador Dali, estas obras não pretendem desvelar os mistérios da vida, mas os trazem à tona em imagens corriqueiras do cotidiano.