Ser pai (37)

'Deixo' aqui esta experiência. Certo dia, quando meu filho tinha 5 anos, ele me fez a pergunta mais assustadora que já fizeram para mim: “Pai, só para eu saber, eu vou estar com quantos anos mesmo quando você e a mamãe morrerem e me 'deixarem' sozinho?”. E aquilo atingiu meu peito como um raio. Ser pai e mãe é 'deixar' – como último ato – nossos filhos órfãos um dia. Bem sei que a vida toda é um 'deixar'. Primeiro chegamos ao mundo 'deixando' o útero, depois ganhamos o mundo 'deixando' a casa dos pais, até que, por último, 'deixamos' este mundo. Lembro de meus falecidos avós, que deixaram minha mãe órfã. Às vezes eu pensava se poderia ter dito algo mais a meus avós ou se gostaria de ouvir deles uma última palavra, mas das últimas vezes em que estive com eles, a única coisa que importava era senti-los uma última vez, o cheiro, a textura da pele, o formato das mãos, a sensação de beijo no rosto, a ponta dos dedos fazendo cafuné. E do que eu mais me lembro de meus avós é justamente da sensação de sua pele, seu cheiro, exatamente aonde cada abraço iria me envolver, exatamente para onde meus dedos iriam se mover em cada cafuné, exatamente o tato de minha boca em cada parte de seus rostos. A partir de então, abraço o meu filho ainda com mais intensidade. Porque eu sei que um dia irei 'deixá'-lo sozinho, e sei que é disso que ele se lembrará. Agradeça por cada abraço, por cada risada, por cada cafuné, por cada beijo, porque é isso o que você mais 'deixará' no mundo.

Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 07/03/2017
Reeditado em 06/12/2017
Código do texto: T5933574
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