MAIS RESPEITO COM A LÍNGUA PORTUGUESA

Sérgio Martins Pandolfo*

“Ó língua-mar, viajando em todos nós./

No teu sal singra errante a minha voz”.

Adriano Espínola, “Língua-mar” (fragmento).

Temos tido o desprazer e o desencanto de ver que, nos tempos correntes, revistas médicas que foram, outrora, primores de correção e zelo vernacular saiam, por ora, de tal forma eivadas de incorreções e impropriedades linguísticas de toda sorte, que nos sentimos na obrigação de enviar, já , duas correspondências para as editorias, verberando contra tal “displicência” e cobrando (sim, cobrando, pois as revistas são editadas, em parte, pelo menos, com o dinheiro dos sócios) maior cuidado no trato com nosso idioma. Constatamos, aqui e ali, seguidos “cochilos” – às vezes sono profundo, quase letárgico!--, que não se pode permitir, ou tolerar, em uma revista que pretenda ter respeitabilidade científica.

Parece que a revisão não tem sido suficientemente atenta e vigilante. Isso para não falar do deplorável, sob todos os aspectos, colonialismo vocabular que assola nossos malformados profissionais, que julgam terão seus textos maior importância se os pejarem de palavras ou expressões via de regra amanhadas da língua inglesa, mesclando-as, aqui e ali, com barbarismos e aberrações que maculam nosso belo, bom, sonoroso e prestante idioma camoniano.

Numa delas, em um dos recentes números que nos chegou às mãos (edição anterior à vigência do Acordo Ortográfico), logo no artigo de abertura, na seção Atualização, vê-se, intitulando o trabalho (aliás de boa doutrina e oportunidade), o espurio vocábulo (?): Fitohormônios. O erro é recometido, em enervante e prolífica reiteração, por todo o estender do corpo textual.

Inadimissível! Todos os que dominam razoavelmente nossa bela e prestimosa Língua Portuguesa sabem que h, no interior do vocábulo, só se emprega em dois casos: quando integrante dos dígrafos ch, lh e nh, fonemas palatais, e nos compostos em que o segundo elemento, com h inicial etimológico, se une ao primeiro com interposição de hífen. Nos compostos sem hífen, elimina-se o h do segundo elemento (ex: coonestar, de co-honestar).

Destarte, deveriam os autores optar por Fito-hormônios ou Fitormônios (há nítida tendência atual por esta última grafia), a fim de que nossa “última flor do Lácio” não fosse tão impiedosamente despetalada.

Outro fascículo (igualmente anterior ao AOLP) exibia na titulação dos artigos: Imunohistoquímica (novamente o h no meio do vocábulo, não integrante dos dígrafos ch, lh e nh, sem a interposição de hífen) e, o que se nos afigura mais gravoso, o título Hidropsia Fetal não Imune.

Hidropsia (leia-se hi-drop-CI-a) configura barbarismo ortográfico e prosódico (os velhos parteiros sabem-no bem!). Nosso vernáculo consigna hidropisia (leia-se hi-dro-pi-ZI-a, do latim hydropisis + ia; em francês, hydropsie; em espanhol hidropesia; em italiano idropisia; em inglês hydropsy ou dropsy, para indicar o acúmulo patológico de serosidade nos tecidos e/ou em uma ou mais cavidades corpóreas), como se pode coonestar nos bons dicionários da língua (Aurélio, Michaelis, Caldas Aulete, Francisco Fernandes, Cândido de Figueiredo, Lello, Houaiss e outros) e, o que é mais importante e oficial, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras que tem força de lei (3ª ed.,1999).

A grafia hidropsia, espúria quanto à etimologia e sem o abono dos principais filólogos e lexicógrafos do idioma camoniano, induzida por contaminação do inglês (idioma anglo-saxão, não provindo do latim), tem sido, desafortunadamente, volta e meia utilizada em publicações desse jaez e lamentavelmente ensinada aos alunos de Medicina, que a vão assimilando como legítima. Aponte-se, a propósito, o termo cateter (sonda ou tubo, geralmente flexível) oxítono, que é pronunciado quase sistematicamente como paroxítono (catéter), por insólita contrafação do inglês catheter. No título, há que ser apontada, ainda, a falta de hífen no adjetivo não-imune e, portanto, deveria ser finalmente corrigido para: Hidropisia Fetal Não-Imune.

Conquanto não sejamos filólogo ou linguista, mas tão somente, modesto esculápio que, ufano de sua lusofonia procura, na estreita medida de suas deficiências, bem aculturar-se nas regras e exigências idiomáticas, possamos, talvez, contribuir para a eliminação dessa intolerável leniência revisional.

A Língua Portuguesa é hoje uma das mais importantes dentre as formas de expressão utilizadas no Orbe Terrestre, terceira (3ª) mais falada entre as assim chamadas línguas universais de cultura e uma das quatro únicas praticadas nos seis continentes, o que faz de nossa língua uma pátria imensa, do tamanho do Mundo, não devendo, assim, ser relegada a plano raso. Ao revés, devemos valorizá-la e fazê-la respeitada.

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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES

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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 13/02/2010
Reeditado em 14/02/2010
Código do texto: T2084508
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