Verbo Crackar - Análise

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Análise de Verbo crackar, de Oswald de Andrade

Sabidamente, Oswald de Andrade foi um dos mais importantes escritores modernistas brasileiros, renovando a linguagem poética, incorporando a ela novos traços, neologismos, esquivando-se de formas e fórmulas ora em voga. Verbo crackar é um exemplo dessa nova linguagem oswaldiana: poesia com conteúdo, avessa a fómulas.

Faremos, a seguir, uma breve análise gramatical do poema Verbo crackar, não ignorando, pois, o contexto histórico ao qual o poema está imerso.

1-Bolsa de Nova Iorque

Na década de 30 do século passado, o mundo passa por uma grande depressão financeira que vitimou muitos pelo mundo a fora. Muitos perderam tudo o que tinham; poucos ganharam muito com a desgraça alheia.

Oswald de Andrade critica e satiriza o momento econômico e social que antecede o fato ocorrido em escala mundial numa estética magistral, de conteúdo histórico-poético-gramatical sem par. Verbo crackar.

Verbo crackar

Eu empobreço de repente

Tu enriqueces por minha conta

Ele azula para o sertão

Nós entramos em concordata

Vós protestais por preferência

Eles escafedem a massa

Sê pirata

Sede trouxas

Abrindo a pala

Pessoal sarado.

Oxalá que eu tivesse sabido que este verbo era irregular.

2-No princípio, era o Verbo

O verbo é o título; ele está no princípio e está, também, em todos os versos. As pessoas gramaticais são participantes ativas na primeira estrofe, em termos gramaticais, mas ocorre a passividade quanto ao acontecimento, quando a primeira pessoa do singular empobrece repentinamente devido a algo em que ela, em princípio, não tomou parte; a primeira pessoa do plural, por consequência da quebra geral, entra em concordata, passivamente, pela ineficiência de outrem.

3-Pessoas

As pessoas, por todo o mundo, sofreram em consequência do crack da Bolsa. Elas estão representadas pelos pronomes pessoais do caso reto eu, tu, ele, nós, vós e eles. As desinências números-pessoais, por outro lado, são representadas pelas do Presente do Indicativo, a saber, 1ª singular- o, 2ª singular- s, 3ª singular- 0, 1ª plural- mos, 2ª plural- is, 3ª plural- m, que pouco diferenciam da marca geral – onde não há desinência para a primeira pessoa do singular – e seus alomorfes: para Perfeito do Indicativo (i, ste, u, mos, stes, ram), Futuro do Presente (i, s, 0, mos, is, ao), Futuro do Subjuntivo e Infinitivo Pessoal (0, es, 0, mos, des, em).

4-Os Modos e Tempos

4.1 O Indicativo marca presença na primeira estrofe através das desinências do presente referenciadas no tópico 3. Naquela estrofe, a certeza dos fatos, característica deste Modo, está na relação causa-consequência da quebra da Bolsa.

4.2 O Subjuntivo, marca da incerteza, está presente no último verso, através da desinência modo-temporal do imperfeito sse, na forma conjugada tivesse sabido, mais-que-perfeito do subjuntivo, que só ocorre na forma composta.

4.3 Na segunda estrofe, o verbo ser se apresenta nas formas originais do Imperativo, que são as segundas pessoas, aquelas para as quais se dá a ordem.

4.4 O presente está presente na primeira estrofe; o passado, no último verso, nas formas tivesse sabido e era, este último no imperfeito do indicativo; o futuro está presente no Imperativo, que designa uma ação que se desenrolará num momento posterior ao da ordem; por esse motivo a gramática latina o denomina Imperativo Futuro.

5-Formas nominais do verbo

Essas formas são finitas, ou seja, não se flexionam em modo nem tempo; assumem, pois, funções nominais, como de adjetivo, advérbio ou substantivo. Na terceira estrofe, os vocábulos abrindo e sarado denotam o gerúndio – que indica uma ação em andamento - e o particípio – que mostra um processo verbal acabado -, respectivamente. Crackar figura como a forma infinita do verbo, um neologismo a partir do verbo inglês to crack, que significa quebrar, adicionando a ele a desinência do infinitivo r após a vogal temática de 1ª conjugação, a, mantendo a tradição de formar novos verbos naquela conjugação.

6-Regular ou Irregular?

A irregularidade do verbo, como afirma o autor no último verso, é semântica. Morfologicamente, crackar é regular, tendo em vista que os verbos conjugados na primeira estrofe, ligados, semanticamente à falência geral, possuem conjugação regular; a irregularidade, portanto, está na situação da quebra da Bolsa, em como ela se deu. Como representantes de irregularidade, ocorrem, no poema, saber e ter. Ser é anômalo, por ter, em suas conjugações, radicais distintos: sou, fui, fora, eram. Como representante de verbo defectivo, temos a conjugação do Imperativo, tendo em vista que só apresenta as formas das segundas pessoas, formas originais deste Modo; na conjugação contemporânea do Imperativo, ele ainda é defectivo, pois não ocorre a primeira pessoa do singular.

7-CONCLUSÃO

Portanto, este verbo de significado irregular, conjugado ora como regular, ora como anômalo, e apresentando as formas nominais, representa a poesia moderna, sem fórmulas, sem formas, com conteúdo.