PRESIDENTA!? DESDE QUANDO?

UMA EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA

Este artigo foi publicado na revista CONHECIMENTO PRÁTICO LÍNGUA PORTUGUESA nº 33, porém o revisor, sem autorização da Revista ou do autor, fez alterações tais que acabou desfigurando o texto. Aqui, passo aos leitores do www.thecnoeduc.com.br e do Recanto o meu texto no seu original, como realmente foi composto por mim, sem exclusão de nada mas com uma vantagem para os internautas do Techno educ e do Recanto: estou acrescentando provas de mais dois ou três livros raros que consegui, finalmente, num sebo de São Paulo. O que for acréscimo ao texto original estará totalmente em negrito, para que o internauta saiba.

Prof. Leo Ricino

“PRESIDENTA”!? DESDE QUANDO?!

“Como um perfeito organismo vivo, a língua está em contínua elaboração, expelindo de si elementos que por motivos vários perderam a vitalidade e substituindo-os por outros que nela entram com toda a força e pujança de seres novos, para mais tarde desaparecerem também por sua vez.” (Dr. José Joaquim Nunes, Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa, 6.ª ed, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1960, p. 356).

Usei a abertura de uma gramática histórica, cuja primeira edição é de 1919, para destacar o óbvio dos óbvios: língua viva permanece em constante mudança. Não há como freá-la, pois ela é do povo, e esse emprego, por milhões de pessoas díspares, diga-se, apesar da norma culta ou padrão, impõe múltiplas alterações.

FEMININO x MASCULINO

Resolvi escrever este artigo porque tenho recebido dezenas de e-mails de pessoas revoltadas com a forma “presidenta”. É claro que isso está ocorrendo porque, pela primeira vez em nossa História, temos uma mulher exercendo o cargo máximo do País. Mas mostrarei que a forma presidenta - e assemelhados - já vem sendo empregada há muitos e muitos anos.

Essa dificuldade que há em se acolher certo tipo de alteração também é secular nessa nossa novíssima Língua Portuguesa (800 anos apenas!). Porém, a resistência a aceitar a formação de alguns femininos, digamos exóticos, principalmente porque muitos cargos profissionais eram exercidos apenas por homens, me parece mais intensa. O que não se pode negar é que as mulheres, finalmente, galgaram fundamentais degraus, assumiram e estão assumindo cada vez mais seu real e inquestionável papel social, e, a partir disso, as formas femininas começam a conviver espontaneamente com as masculinas, apesar de todo o torcer de nariz dos inconformados.

SEMPRE FOI ASSIM

Se voltarmos aos primórdios da língua, durante o período do Trovadorismo, os poetas que faziam cantigas de amor usavam a forma “senhor” também para a mulher, já que não havia, ainda, a forma feminina, “senhora”. Assim, Martim Soares começa uma de suas cantigas de amor:

“Senhor fremosa, pois me non queredes / creer a coita em que me ten amor, / por meu mal é que tan ben parecedes...”(in SPINA, S., Presença da Literatura Portuguesa-I, Era Medieval, Difusão Europeia do Livro, São Paulo, 1969, p. 45)

Como se vê, era “Senhor formosa” e não “Senhora formosa”.

O próprio D. Dinis, o rei que criou a Universidade de Portugal (hoje de Coimbra), numa dentre várias de suas cantigas começa assim:

“Vós que defendestes, senhor,/ que nunca vos dissesse ren / ...” (idem, ibidem, p. 47).

A forma feminina, senhora, surgiu anos e anos depois dos trovadores medievais. Por isso, que nenhum leitor leigo das cantigas vá pensar que o rei estivesse se dirigindo a um senhor mesmo!

UMA DISCUSSÃO ANTIGA

Em pesquisa em verdadeiros alfarrábios e em livros mais recentes, pudemos constatar que o uso da palavra PRESIDENTA não surgiu nos tempos atuais, assim de supetão, do nada! No entanto, o que aflorou a revolta de muitos, que chegam a pedir socorro para a Língua Portuguesa, alegando que a estão deturpando até suas últimas conseqüências, foi o fato de, pela primeira vez em nossa História, termos a assunção de uma mulher ao cargo-mor do Brasil, a partir deste ano de 2011.

Vejamos como o feminino, mesmo na língua, é uma coisa delicada, com barreiras e entraves a seu percurso. Vejamos alguns femininos, destacando-se a data dos livros em que eles estão. Antes, porém, registremos o que disse o notório Professor José Oiticica, no insubstituível alfarrábio MANUAL DE ANÁLISE (Léxica e Sintática), Typographia Baptista de Souza, Rio de Janeiro, 1919, p. 135, sobre o sufixo -NTE:

“terminação do particípio presente, feita sufixo nos adjetivos e substantivos provenientes desses particípios e onde permanece a força verbal; exs.: agente, aquele que age; gerente, aquele que gere; doente, aquele a quem doe o corpo, enfermo.”

Enfatize-se que, da mesma forma que acontece com os verbos, esse sufixo -NTE, “onde permanece a força verbal”, não índica apenas a idéia de agente. Ele também pode indicar o paciente, como em “doente”, aquele que sofre a dor no corpo, ou subserviente, “aquele que consente em servir a outro de maneira humilhante” (Dicionário Houaiss). Consente, que fique claro, por não ter poder de ação contrária. Paciente, portanto. Aliás, a própria palavra paciente, como substantivo, indica o ser que receberá a ação na voz passiva, incluindo ação médica, ou aquele que sofre uma ação ignominiosa, ou até a pena de morte.

Outro consagrado e respeitado autor, Ismael de Lima Coutinho, na Gramática Histórica, citada mais abaixo, sobre o sufixo –ente, diz, na p. 170, o seguinte:

“-ante, -ente, -inte < vogal temática dos verbos mais o sufixo –nte do particípio presente. Exprimem agente, qualidade ou estado, servindo para formar substantivos e adjetivos: tratante, despachante, estudante, ajudante; crente, escrevente, lente, delinqüente; pedinte, ouvinte”.

Aqui já vemos que o sufixo também indica qualidade e estado. Dito isso, vamos ao escopo deste artigo. Assim, em

1909: Gonçalvez Viana, que é o pai dessa ortografia que usamos, pois em 1904 publicou o célebre livro “Ortografia Nacional”, que serviu de base para a “1ª Reforma Ortográfica”, em 1911, quando o Governo Português determinou que os documentos oficiais deveriam seguir as orientações daquela obra, continuando sua luta pela definição do léxico de nossa língua, publicou em 1909 o “VOCABULÁRIO ORTOGRÁFICO E ORTOÉPICO DA LÍNGUA PORTUGUESA” pela Livraria Clássica Editora, Lisboa. Na página 677 dessa preciosidade, que é o pai dos demais VOLPs tanto em Portugal quanto no Brasil, está: “presidenta, f.”. E na página 619 aparece com todas as letras: “parenta, f.”.

1938: AMARAL, Vasco Botelho do, no indispensável Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, Editora Educação Nacional, Porto, que não faz referência a ‘presidente’, mas sobre parente, no verbete próprio, p. 129, diz com clareza insofismável:

“Há quem não admita o feminino parenta. Todavia, surge na escrita dos clássicos Castilho, Herculano e outros: ‘sentadas na relva com as parentas e amigas’ (O Presbitério da Montanha, I, 52); ‘monarquia absoluta, parenta próxima do liberalismo moderno” (O Monge de Cister, II, 154)”

Cita exemplos de dois livros. Do primeiro, “O Presbitério da Montanha”, de Antônio Feliciano de Castilho, e de Alexandre Herculano, “O Monge de Cister”, de 1846. Coisa antiga, portanto, e já se usava PARENTA!

1941: CALBUCCI, Ernani, que, nas décadas de 1930 e 1940, foi professor na “Escola de Comércio Álvares Penteado”, atual Fecap, em Questiúnculas de Língua Portuguesa, Revisora Gramatical, São Paulo, diz na página 236, a respeito de DEPUTADA – VEREADORA – SENADORA – PREFEITA – CONTADORA – PRESIDENTA – TABELIOA:

“1) Não gostamos de ser dogmáticos, mas atrevemo-nos a considerar asneira quadrada (expressão de Cândido Figueiredo) os dizeres ‘O deputado Conceição Santamaria’. O feminino de “deputado” é “deputada”. Logo, o certo é ‘A deputada Conceição Santamaria’. E assim também: ‘A vereadora Olga Lamberga’ (e não ‘O vereador Olga Lamberga’) – ‘A senadora Judite de Souza’ (e não ‘O senador Judite de Sousa’) – ‘A prefeita Francisca Rodrigues’ (e não ‘O prefeito Francisca Rodrigues’) – ‘A contadora Célia de Andrade’ (e não ‘O contador Célia de Andrade’). E assim por diante. Como certos cargos, qual o de prefeito, são em via de regra ocupados por homens, pensam muitos que não se pode dizer ‘A prefeita Francisca Rodrigues’, mas semelhante modo de pensar não tem fundamento sério. 2) A palavra ‘presidente’ pode aplicar-se aos dois gêneros: ‘A presidente Francisca Rodrigues’ – ‘O presidente Getúlio Vargas’. No feminino também se admite ‘presidenta’: ‘A presidenta Francisca Rodrigues’.”

Deixo de transcrever o item 3), por desnecessário a este artigo, mas, como se pode ver, essa discussão é muito antiga! E hoje até nos causa estranhamento que alguém tenha, outrora, se negado a usar “deputada”, “vereadora”, “senadora”, etc., palavras absolutamente incorporadas e aceitas. Talvez isso também venha a ocorrer com a palavra presidenta daqui a alguns anos. E chamo sua atenção, caro leitor: em 1941, portanto há exatos 70 anos, já tínhamos o registro do feminino PRESIDENTA!

1960: NASCENTES, Antenor, no ótimo O IDIOMA NACIONAL, Livraria Acadêmica, Rio de Janeiro, p. 56, quando fala da flexão de gênero dos substantivos, observa que “Cliente, agente e servente não variam; o uso já tem introduzido as formas parenta, presidenta, comedianta”.

Ressalte-se que o VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, 5.ª edição, 2009, já adaptado ao novo Acordo Ortográfico, registra, na p. 752, a forma “serventa”; a forma “comedianta” também lá está, na p. 205. E na página 674 está PRESIDENTA.

1963: JUCÁ (filho), Cândido, no ótimo Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa, FENAME – Fundação Nacional de Material Escolar, Rio de Janeiro, diz:

a) na página 146, na entrada “cliente – 2.g. – o freguês; o constituinte. No f. também se diz ‘clienta’.”

b) na página 467, na entrada parente, diz: “m. – pessoa da mesma família. F. parenta. ‘Era muito parenta da casa de Bragança’ (Camilo).”

c) na entrada presidente, p. 505, “adj. – que governa, que dirige. É sócia presidente da instituição. “m. – diretor, o chefe. Como subst., admite o f. ‘presidenta’: ‘Mil graças, presidenta”.(Castilho). O presidente da corporação é D. Maria. D. Maria é a presidenta da corporação.”

É uma pena que Cândido Jucá não tenha citado em que obra de Castilho ele buscou esse exemplo “Mil graças, presidenta”, porém, se levarmos em consideração que esse “Castiho” seja o Antônio Feliciano de Castilho, do Romantismo português, que morreu em 1875, já se pode ter uma noção do tempo em que essa palavra vem sendo usada! Insisto de novo, caro leitor: a palavra PRESIDENTA já foi usada antes de 1875, o que quer dizer há pelo menos 140 anos!! Todavia se a referência for a José Feliciano de Castilho, sobrinho daquele, grande latinista e tradutor de obras clássicas, não há muita diferença: ele morreu em 1879, no Rio de Janeiro.

1964: SAID ALI, na Gramática Histórica da Língua Portuguesa, Edições Melhoramentos, São Paulo, 3.ª edição, (Destaque-se, no entanto, que a 1.ª edição é de 1921!) não fala de presidenta mas faz uma importante consideração no item 272, p. 62:

“Nomes em –e não compreendidos nesta categoria resistem em geral à mudança, tornando-se comuns de dous, como amante, estudante, herege, agente, cliente, protestante, viajante. Usam-se porém com a característica –a: freira, feminino de freire ou frade, parenta, mestra, monja, hóspeda e infanta”.

Destaco que, quando Said Ali diz “Nomes em –e não compreendidos nesta categoria”, faz referência a substantivos como conde, príncipe e duque, cujos femininos são condessa, princesa e duquesa.

1967: KURY, Adriano da Gama, no livro Português Básico (para admissão e curso secundário), 11.ª ed., Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, na p. 87, diz que alguns “substantivos terminados em e, no feminino trocam-no em a”. E, dentre os vários exemplos, cita: “presidenta, elefanta, parenta, infanta, hóspeda”.

1969: COUTINHO, Ismael de Lima, Gramática Histórica, 6ª ed., Livraria Acadêmica, Rio de Janeiro, na p. 234, faz interessante observação, no tópico 446:

“No português arcaico, eram uniformes os substantivos e adjetivos terminados em –or, -ol, -ês, nte. Podia-se dizer indiferentemente: um ou uma pastor, idioma ou língua espanhol, homem ou mulher português, o ou a infante. Hoje tomam todos eles –a no feminino.”

Uma pena o grande autor ter se omitido e não dado nenhum exemplo com a forma –nte. Quando ele diz que “Hoje tomam todos eles –a no feminino”, provavelmente se refira apenas aos exemplos dados, não incluindo, portanto, a forma –nte. Ou pode tê-la incluído.

1969: GONÇALVES, Maximiano Augusto, no Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, Edições de Ouro, p.188, diz: “PRESIDENTA – F. de presidente, já abonado pelo “Pequeno Vocabulário Ortográfcio”. Sobre PARENTA, o mesmo autor diz, na p. 184: “Embora muitos gramáticos hesitem em lhe aceitar o feminino parenta, já o registra o “Pequeno Vocabulário Ortográfico e é muito freqüente em escritores clássicos”.

Destaque-se que esse “Pequeno Vocabulário Ortográfico” a que o autor se refere é de 1943, antecessor do atual VOLP.

1969: Sá Nogueira, Rodrigo, no Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, Livraria Clássica Editora, Lisboa, faz interessantes observações na entrada Governanta, p. 146. Limito-me a transcrever algumas dessas observações: “Logo que as mulheres começaram a exercer tais funções (referência ao trabalho e condição social), sentiu-se a necessidade de as designar femininamente, isto é, de lhes dar um nome feminino. Foi assim que nasceram as formas: infanta, governanta, parenta, e outras semelhantes já consagradas pelo uso.” Na p. 147, arremata: “O povo já fala descontraidamente, como se diz hoje, das estudantas, das presidentas; das generalas, das capitoas.” “Note-se ainda que estão, há muito, consagradas as formas senhora, professora, cantora, etc., que primitivamente eram uniformes”.

1976: Sacconi, Luiz Antônio, em NÃO ERRE MAIS!, Cia. Editora Nacional, São Paulo, p. 127, faz a seguinte observação:

“Pela primeira vez a Argentina é governada por uma Presidenta. São três os nomes terminados em ‘e’ que trocam o ‘e’ por ‘a’ no feminino: presidente, governante e parente. Portanto: ‘Ela não é minha governanta nem minha parenta’. Mas nunca: ‘Esta clienta é ótima’, ‘As hatitantas deste país’, ‘As serventas do colégio’, etc.”

Contrariando, agora em 2009, o que Sacconi disse em 1976, a forma “clienta” está registrada no VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, 5.ª edição, adaptada ao novo Acordo Ortográfico, na página 196. E “serventa” também, na página 752.

Todavia, nem o Houaiss, em sua mais nova versão, nem o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, da própria Academia Brasileira de Letras, registram essas duas formas. Também não as encontrei no Aurélio e no Aulete.

1984: CEGALLA, Domingos Paschoal, na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, 25.ª, Companhia Editora Nacional, São Paulo, na p. 116, numa lista caótica de masculinos e femininos, diz que presidente serve para os dois gêneros mas há a forma feminina presidenta. Também cita parenta, elefanta, giganta, etc.

1992: NISKIER, Arnaldo, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, em Questões Práticas da Língua Portuguesa 700 respostas, Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., Rio de Janeiro, na p. 58, após dois exemplos, afirma que “o feminino de presidente é presidenta, mas pode-se também usar a presidente, que é a forma utilizada em diversos jornais”.

1996: CEGALLA, Domingos Paschoal, no Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, p. 330, diz taxativo:

“Presidenta. Mulher que está na presidência (de um país, de uma associação). É forma dicionarizada e correta, ao lado de presidente. A presidenta da Nicarágua fez um pronunciamento à nação. / A presidente das Filipinas pediu o apoio do povo para seu governo”. Sobre PARENTA, na p. 308, diz: “parente. A forma feminina é parente ou parenta: Ela é parente do prefeito. / ‘Elza e Teresa são parentas muito próximas” (Aurélio) /”Apenas uma parenta não compareceu ao casamento: a prima Maria Benigna” (Herberto Sales, Rebanho do Ódio, p. 30)”

2003: BECHARA, Evanildo, na Moderna Gramática Portuguesa, 37.ª ed., Editora Lucerna, Rio de Janeiro, na p. 135, a propósito dos substantivos terminados em –e, diz que substituem o –e por –a os seguintes: alfaiata, infanta, governanta, presidenta, parenta, monja. Alerta, porém, que ‘infante, governante, presidente e parente’ também aparecem como invariáveis.

2003: CUNHA, Celso, e CINTRA, Lindley, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, 3.ª ed., 5.ª impressão, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, fazem um interessante comentário na p. 194:

“Os substantivos terminados em –e, não incluídos entre os que acabamos de mencionar, são geralmente uniformes. Essa igualdade formal para os dois gêneros é, como veremos adiante, quase que absoluta nos finalizados em –nte, de regra originários de particípios presentes e de adjetivos uniformes latinos. Há, porém, um pequeno número que, à semelhança da substituição –o (masculino) por –a (feminino), troca o –e por –a.”

Aí apresentam alguns exemplos, como elefanta, governanta, monja, parenta. Em seguida, fazem a seguinte “Observação: Os femininos giganta (de gigante), hóspeda (de hóspede) e presidenta (de presidente) têm ainda curso restrito no idioma”.

UMA FORTE VOZ DISCORDANTE

Napoleão Mendes de Almeida, no Dicionário de Questões Vernáculas, Editora “Caminho Suave”, São Paulo, 1981, na entrada “presidente”, p. 244, recriminando um redator de jornal que defendia a forma presidenta, diz, dentre outras coisas:

“São em português uniformes os adjetivos terminados em nte, como já no latim havia uma só terminação – ns – para o masculino e feminino dos adjetivos da segunda classe, por cujo paradigma se declinavam os particípios presentes: prudente, amante, vidente, lente, ouvinte. Ninguém, pelo menos em português, diz hoje prudenta, amanta, videnta, lenta, ouvinta.

Alguns dos adjetivos de tal terminação andam a ser flexionados em nta, no feminino quando substantivados: parenta, infanta, governanta. Presidenta, porém, ainda está, ao que parece, no âmbito familiar e chega a trazer certo quê de pejorativo”.

Neste caso, como noutros, a designação de ‘neologismo’ não serve para encobrir o desconhecimento de fatos do idioma. O que está errado é dizer ‘...de Paris, o presidente do Clube Brasileiro do Gato, Anne Marie, irá a Essen, na Alemanha’. Por favor, senhor redator, procure saber em qualquer gramática o que é substantivo comum de dois gêneros e verá por que se diz ‘a estudante Maria das Graças’, ‘a constituinte Etelvina Rodrigues’ e por que é certo ‘a presidente Isabel’. Sua única desculpa será não saber que Anne Marie é nome de mulher.”

Discordante, porém já nos chama a atenção que os vocábulos terminados com o sufixo nte “andam a ser flexionados em nta, no feminino quando substantivados”. Ou seja, como adjetivo ele não admite, mas como substantivo ele reconhece o uso. E enfatiza que “Presidenta, porém, ainda está, ao que parece, no âmbito familiar e chega a trazer certo quê de pejorativo”.

FEMININOS NO VOLP

Num rápido passeio pelo VOLP, que é o acervo oficial de todas as palavras da nossa língua no Brasil, elaborado pela Academia Brasileira de Letras, pude constatar alguns femininos também contestados, mas que lá estão airosa e garbosamente, principalmente os militares. Assim, temos sargento e sargenta, capitão e capitã, coronel e coronela, general e generala, marechal e marechala, mas não temos o feminino de soldado, cabo e de tenente, nem de brigadeiro e de almirante (almiranta é a nau onde viaja o almirante (Houaiss); no Aurélio aparece também como a esposa do almirante). Aliás, existe também uma palavra “soldada”, que não é feminino de “soldado” e sim sinônimo de soldo, pagamento a criados, etc. A forma caba é “Designação dada aos insetos himenópteros, vespídeos [ v. marimbondo” (Aurélio), seja lá o que isso for!

Algo curioso é que são encontrados certos substantivos masculinos de cuja forma feminina não há registro no VOLP, mas outros tantos apresentam as duas formas, a masculina e a feminina. Assim, “professor” (p. 677) e “médico” (p. 535) não trazem as respectivas formas femininas, possivelmente pela sua obviedade. Contudo, há uma série de substantivos masculinos cujos femininos são apresentados pelo VOLP. Assim, papa e papisa; mestre e mestra; poeta e poetisa; bispo, bispa e episcopisa.

E há também muitos nomes em ENTE sem a menor variação no feminino: regente, indigente, ingente, doente, gerente, crente, vidente, docente, discente, contente, etc. E muitos em ANTE também sem variação, mas alguns com aceitação do feminino: governanta, infanta, elefanta, comedianta (p. 205), giganta (p. 402).

UMA DESCOBERTA, UM PIONEIRO: MACHADO DE ASSIS

Muito por acaso mesmo, quando eu já tinha dado este artigo por terminado, ao ter de reler “Memórias Póstumas de Brás Cubas” para um dos “Encontros Literários” que realizamos na Fecap – Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, momento em que analisamos e discutimos com os alunos um filme baseado em alguma obra literária e, por acaso, o filme da vez era “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, dirigido por André Klotzel, encontrei no Capítulo LXXX / DE SECRETÁRIO do livro, quando Lobo Neves, marido de Virgília, amante de Brás, convida Brás Cubas para ser seu secretário numa província do Norte que seria por ele, Lobo Neves, presidida:

“Respirei, e não tive ânimo de olhar para Virgília; senti por cima da página o olhar dela, que me pedia também a mesma cousa, e disse que sim, que iria. Na verdade, um presidente, uma presidenta, um secretário, era resolver as cousas de um modo administrativo.” (p. 588)

Levando-se em consideração que esse magistral romance machadiano saiu publicado em jornal ao longo do ano de 1880 e depois em volume em 1881, tido como a obra que inaugura o Realismo no Brasil, podemos perceber desde quando essa forma feminina, presidenta, é usada em nossa língua, inclusive no Brasil. Acima já tínhamos visto que em Portugal já a encontramos pelos idos de 1860.

Ora, como se sabe sobejamente, a língua padrão, ou norma culta, tem como ponto de partida a obra dos bons escritores e daqueles que bem manejam a língua. No caso de Machado de Assis, não estamos apenas falando de um bom escritor, estamos falando de uma joia rara de nossa literatura (sugiro a leitura da coluna CONTOS MACHADIANOS da nossa revista-irmã CONHECIMENTO PRÁTICO LITERATURA). Pessoalmente não questiono a forma, o estilo e as palavras que esse escritor especial usou e com os quais nos brindou com alguns contos e romances grandiosos. Aliás, e como se dizia antigamente, aproveitando o ensejo, transcrevo, pela beleza da frase e pela verdade intrínseca nela, um pequeno trecho do mesmo livro acima citado, momento em que Lobo Neves comunica a Brás Cubas a desistência ao posto de presidente da província e, consequentemente, a diluição do posto de secretário:

“... Número fatídico, tu foste a nossa salvação. Não me confessou o marido a causa da recusa; disse-me também que eram negócios particulares, e o rosto sério, convencido, com que eu o escutei, fez honra à dissimulação humana.” (p. 592).

SEM FECHAR QUESTÃO

Não sou a favor desses femininos esdrúxulos ou contra eles, como presidenta, parenta, comedianta, elefanta, hóspeda e tantos outros! Minha intenção foi questionar por que, se algumas dessas formas, especialmente PRESIDENTA e PARENTA, já são usadas há mais de um século, só agora, a partir de 2010 e muito de repente, há essa grita de alguns contra elas? É claro que eu mesmo já respondi isso lá no início do artigo, porém não é a minha pergunta ou resposta que estou questionando. Estudioso da língua que sou há pelo menos 50 anos, não me recordo de uma grita semelhante sobre essa ou qualquer outra alteração.

Na língua há muitas mudanças e vão passando como que despercebidas, infiltrando seu novo significado ou sua nova forma, com aceitação geral, sem maiores alardes. Assim, conforme nos mostra Silveira Bueno, esposa entre os latinos, era a mulher prometida, com quem se casaria, ou seja, uma espécie de noiva. Ninguém reclamou quando passou a ser a mulher casada. Torrente, do latim torrere, queimar, abrasar, de repente passou a ser “caudal líquida, rio volumoso e rápido”, ou seja, virou do avesso, nada mais a ver com fogo ou calor, e ninguém questionou ou questiona essa aparente absurda mudança de sentido. Robusto se referia ao sangue apenas, depois ampliou o sentido para força física, construção sadia, atlética. E só para citar mais um exemplo de mudança de sentido ou de alteração na língua, fiquemos com o verbo derramar, antigamente usado apenas pelos jardineiros quando cortavam as ramas das árvores e plantas em geral. Hoje derramamos até café na roupa e todos se submetem docilmente a esse significado. Afinal, café também tem ramas!

O fato é que nesses últimos 12 a 15 meses tenho recebido muitos e muitos e-mails curiosíssimos, alguns com soluções mágicas, outros com ótimas explicações defendendo uma ou outra tese, mas insisto no meu questionamento: por que só agora se, como vimos, o feminino PARENTA já aparece no “Monge de Cister”, livro de 1846, e a forma PRESIDENTA já aparece em Antônio Feliciano de Castilho, que morreu em 1875! E mesmo no século XX, lá está registrada em 1909, por Gonçalvez Viana, e em 1941, por Ernani Calbucci?

Num desses e-mails que tenho recebido, li uma frase revoltadíssima, com a qual praticamente encerro este artigo e peço desculpa ao/à autor(a) dela por não citar seu nome, uma vez que não sei quem a produziu. No entanto, seu texto é um excelente exercício de humor e espero, embora eu não seja radical contra as às vezes absurdas alterações na língua, espero, repito, nunca ver tal barbaridade infiltrada nela:

"A candidata a presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta. Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta".

Todavia, acho mesmo que a melhor e mais técnica forma de encerrar de fato este artigo é através das palavras de dois clássicos do ensino de língua: Ismael de Lima Coutinho e Arsène Darmesteter, esse citado pelo primeiro na Gramática Histórica, já vista acima, p. 232. Ismael diz que “Gênero é a propriedade que tem o nome de indicar o sexo”. Contudo, lembra que Darmesteter afirma peremptório, sobre gênero, o seguinte:

“Esta distinção de gêneros não corresponde a nenhuma idéia lógica. Nos idiomas românicos, os gêneros não servem mais habitualmente senão de quadros em que a língua distribui a totalidade de seus substantivos, deixando-os guiar mais ou menos obscuramente por analogias exteriores, terminações, sufixos, e algumas vezes por motivos contraditórios. Em limitado número de casos, para os nomes de pessoas e algumas vezes de animais, o gênero é determinado pela idéia do sexo, e isso mesmo com desprezo da etimologia.”

Presidenta, parenta, hóspeda, comedianta?! Desde quando?! Faz tempo!

Prof. Leo Ricino

Novembro de 2011

Leo Ricino
Enviado por Leo Ricino em 11/02/2012
Reeditado em 16/02/2012
Código do texto: T3493200