METENDO A LÍNGUA

METENDO A LÍNGUA

Silva Filho

(antes da reforma ortográfica)

Nossa língua portuguesa

Volta e meia nos engana

Lisa, solta - que leveza!

É uma casca de banana

Com apenas a certeza

De ser mesmo lusitana.

Juntaram grego e latim

Na construção de Babel

Todo mundo achou ruim

Portugal pôs no papel

E depois sobrou pra mim

Neste modesto Cordel.

Que se fale no Brasil

Essa língua dissidente

Disse o Rei em Estoril

Quando a lei se fez vigente

Como obrigação civil

Para toda essa gente.

Quase fica o espanhol

Para saudar a Rainha

Mas protestou um reinol

O Pero Vaz de Caminha

Pois xingar no futebol

Só ao português convinha.

E assim nós recebemos

Esse legado bem luso

E com ele aprendemos

Que porca tem parafuso

E outras coisas colhemos

Neste contexto difuso.

Hoje o nosso ‘portunhês’

É um exemplo de cultura

No inglês e no francês

Temos mais desenvoltura

Um turista tem mais vez

Se falar uma mistura.

Quando ponho um ACENTO

Ninguém deve se sentar

Se dois "ss" estão dentro

Este ASSENTO tem lugar

Então vou ficar atento

Pra não mais escorregar.

Muito cuidado com o POR

Para não virar galinha

Pra preposição compor

O acento não se avizinha

Pode ser constrangedor

PÔR ovos na entrelinha.

Ninguém vai ter cozimento

Quando ASCENDE o fogão

Se ACENDE o pensamento

Alguém pensa em carvão

E tem como agravamento

Um verdadeiro TISSÃO.

Tem o xis com som de zê

EXALANDO algo estranho

E o zê só quer saber

Quem é mesmo esse zanho

Que pretende se meter

Tentando passar por fanho.

Já vi o zê reclamando

Do seu uso desregrado

Quem andava ABUSANDO

Tornou-se mais ABUZADO

E quem vem ATAZANANDO

Vai morrer ATASANADO.

O relógio que ATRAZA

Para mim, não adianta

E nem me queima a BRAZA

Passando pela garganta

Mas a BRASA me arrasa

Quando a dor se agiganta.

A SEÇÃO com o cedilha

É somente uma porção

SESSÃO que não se partilha

Vem a ser reunião

Mas o “C” não se humilha

Com esta conspiração.

Inda há outra CESSÃO

Para quem quiser Ceder

Também não é ACESSÃO

Que traduz Aquiescer

Mas cuidado com a CEÇÃO

Que põe tudo a perder.

É bom lembrar do SENSOR

Flagrando o mau motorista

E do CENSOR DELATOR

Com função de analista

Ou CENSOR que faz favor

De pôr o povo na lista.

Para não ficar pra TRÁS

Dispense o verbo Trazer

Essa regra me compraz

TRAZ aqui qu’eu quero ver

Quando se fala DEMAIS

DE MAIS não vejo crescer.

Há um trema atrevido

Sobre o U, muito freqüente

Não se sabe se argüido

Deixa o U mais eloqüente

Com este U convencido

A língua bate no dente.

Ninguém sucesso alcança

Se o português vai MAL

MAU aprendiz se balança

Pra não passar por BOÇAL

Mas BOSSAL não é nuança

De cunho gramatical.

E uma tal Cacofonia

Que sempre faz um fuá

Provocando correria

Nunca diga VOU-ME JÁ

Como falou minha tia

Já deixou o COPO LÁ.

Pleonasmo - um tormento

Com tamanha redundância

Dizendo ENTRAR PRA DENTRO

Faz-se enorme extravagância

DORMIR UM SONO – comento

Só na fase de infância.

Falso argumento é Sofisma

"O povo está muito bem"

Quem é esperto já cisma

Quem é fraco diz amém

Há quem fácil se abisma

Porque noção nunca tem.

Há o QUE, POR QUE, PORQUE

Pra me deixar aturdido

Não me pergunte o PORQUÊ

Pois não sou esclarecido

POR QUE você quer saber?

Isso não faz mais sentido.

Existe ainda UM QUÊ

QUE agrava a confusão

Se me perguntam POR QUÊ ?

Eu não tenho explicação

Somente quem muito lê

Tem chance de conclusão.

Quem fizer uma PESQUIZA

Não terá bom resultado

E também não ANALIZA

Sem que seja apoucado

E quem no tema REPIZA

Vai ser mal interpretado.

DESLIZAR não vem de LISO

Mesmo sendo no lajeiro

Pois vou deixar um aviso

LIZO é um forasteiro

Não é assunto pra RIZO

Porque RISO vem primeiro.

E sobre semivogais

É bom saber um segredo

Juntas nunca são rivais

Diga FL(Ú)IDO sem ter medo

E noutros casos iguais

Vale fazer um arremedo.

ESTRUPO não faz temer

ESTUPRO não tem perdão

DESCRIÇÃO pra Descrever

Pra Discreto – DISCRIÇÃO

Na Net nunca vou ver

Quem tentou CONECÇÃO.

Há um risco iminente

Pra quem anda descuidado

E um professor eminente

Deixou tudo declarado

Quem hesita é prudente

Se exitar, vai reprovado.

Ao tomar o verbo Haver

Com função de Existir

Flexão não vá fazer

Para plural conseguir

Há regras pra escrever

Hão regras – vou dirimir.

DISCRIMINAR é ruim

Se denota preconceito

DESCRIMINAR tem o fim

De absolver um sujeito

Quando digo: vá por mim

Se errar, eu dou um jeito.

AONDE pensa que vai?

Dá noção de movimento

ONDE reside o seu pai?

Lugar certo, pavimento...

Quem se segura não cai

Em terreno lamacento.

Também devemos lembrar

Formas verbais sem o "i"

PERDOAR, CONTINUAR

Só CONTINUE por aqui

Exceções não vão faltar

Neste grande abacaxi.

Metendo a língua, termina

Com a melhor das intenções

O saber nunca germina

Quando faltam revisões

O cordel também ensina

Gramática, regras, bordões.