Xing ling - um haicai seguido de crônica

Xing ling - um haicai seguido de crônica

ding, dong, ding, ding

a estagiária contente --

telemóvel xing ling*

- Para Daniel Teixeira.

* Em Portugal o aparelho que chamamos no Brasil de "telefone celular", ou mais popularmente de "celular", é chamado de "telefone móvel", tendo o nome popular de "telemóvel", que acho bem mais interessante e prático do que o nome que ele recebeu por aqui.

No Brasil, o aparelho foi batizado por simples imitação do nome que lhe deram nos EUA - “Cell Phone”.

Acontece que o nome dado no Brasil explica e tem relação com a tecnologia implicada - o que me parece totalmente desnecessário, por conta da evidente diferença entre o chamado telefone fixo e, o outro, cujo nome não o explica direito - muito embora, o nome dado e a coisa tenham tido um casamento eficiente e perfeito do ponto de vista ideológico, pois quando digo "telefone celular", ou "celular", a ideia e significado implicados se associam imediatamente, na mente de qualquer um.

Já o nome dado em Portugal, "telemóvel", me parece muito mais eficiente e perfeito, no sentido de que atribui um nome e explica o aparelho pela sua diferença em relação ao chamado "telefone fixo" e, a implicação evidente, isto é, a vantagem de sua portabilidade.

Usei, neste haicai, o nome do aparelho usado num outro país (e realidade), porque já havia nele uma outra referência estrangeira, cultural e mercadológica, relativa aos produtos produzidos na China - que soterram, atualmente, os mercados populares e está incorporado aos hábitos de consumo dos brasileiros, cujos produtos, em geral de qualidade baixa ou duvidosa, são chamados de "xing ling", um meme que arremete à imagem da China moderna e, que tem embutido, ao mesmo tempo, um caráter de classificação, quanto à qualidade dos produtos chineses comercializados no Brasil.

Na corporação em que trabalho, por questão de (boa) política de emprego, é frequente a presença de jovens aprendizes e estagiários - sempre mais seguros de seus desejos do que de si, sempre trazendo às costas as imensas e inseperáveis mochilas e que lhes dão aquele ar de "aposte em mim!" - cheias de cadernos, livros e as traquitanas - boa parte delas chinesas, entre as quais, os pen drivers (ondem trazem os programinhas espertos que utilizam para saltar o firewall da rede de computadores para usar o Orkut, Facebook, MSN e entrar nos sites de humor, memes e esportes (caso dos meninos) ou, entrar nos sites de revistas de moda e televisão (mais frequente entre as meninas).*

Mas, em matéria de traquitanas xing lings, não posso me esquecer que, entre os funcionários das empresas terceirizadas, que cuidam da limpeza, conservação e ajardinamento, também é frequente as rodinhas deles, na hora do almoço, para exibir e discutir as vantagens e entretantos dos aparelhos adquiridos nos camelódromos** da Praça Ok.***

* Quando alguém precisa de um programinha desses, para salvar alguma situação - por exemplo, teclar com alguém da família que está em viagem ou, precisa atualizar informações em determinados sites, já sabe a quem procurar: um estagiário ou um jovem aprendiz com quem tem intimidade (sem confiança mútua, como ajeitar uma coisa assim?), que tem sempre a solução perfeita para o caso - isto é, um programinha ou a URL de um programinha “pula senha”.

** Camelódromo é o nome dado em meu estado para os shoppings que abrigam lojinhas dos chamados "camelôs", os pequenos e informais empreendedores do comércio, onde se pode encontrar, além dos conhecidos produtos "made in China", roupas, artigos de presentes, material de caça e pesca, cds, dvds e videogames.

*** Praça OK - uma praça localizada no bairro Campinas, que era uma cidade pré-existente à aventura de Pedro Ludovico e foi incorporada à área urbana de Goiânia, alguns anos depois da construção****, cujo nome é derivado de uma loja de venda de pneus instala de seu anel interno, cuja área acaba de virar mais um camelódromo.

**** Goiânia é uma capital projetada, uma cidade que se ergueu da noite para o dia, no cerrado goiano, na década de 30 do século passado, pelo "interventor" Pedro Ludovico, nomeado por Getúlio Vargas. A construção de Goiânia inspirou e encorajou uma aventura ainda maior, perpetrada pelo presidente Juscelino Kubstcheck, que construiu Brasília, capital do Brasil, no planalto central, a 212 kilômetros da capital do estado de Goiás.

A discussão sobre a entrada de volumes impressionantes de mercadorias do tipo xing ling vindas da Ásia comporta uma discussão imensa, que vai desde a política de fronteiras, até a política de impostos e, o modelo de inserção na economia internacional.

Mas, basta dizer que a popularidade desse tipo de mercadoria comprova duas coisas: em primeiro lugar, que o povo gosta de preços baixos, novidades e tecnologia e, quem gosta de muito tradicionalismo é museu - ou múmias que deviam estar lá dentro. Em segundo lugar, que ninguém gosta de comprar imposto disfarçado de mercadoria e o só o faz, quando não tem escapatória...

Um bom texto, diz-se precisa ter começo, finalidade ou roteiro, meio e, fim. Comecei com um haicai e terminei falando de política de mercado interno do Brasil.

Pois, é. Um texto também é resultado da tentativa de expressar coisas que, aparentemente não se coadunam, mas que chegam e querem seguir, juntas ou não. É o caso.

Neste link tem uma cópia deste texto publicado em um blog meu, com ilustrações - inclusive uma assinada por mim, feita especialmente para complementar o texto:

http://possivelpalavra.blogspot.com/2011/09/xing-ling-haicai-seguido-de-cronica.html