Haikai







canto estridente
envolve todo o jardim
dançam as cigarras


orquestra verde
adivinham as cigarras
logo vem a chuva





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“Casca vazia. A cigarra cantou-se toda”.
Haikai, se não me engano, de Bachô. Antes da casca vazia a cigarra cantava canções subterrâneas – a vida acontecia nas profundezas da terra. Mas, de repente, a vida tornou-se outra. A cigarra subterrânea começou a sonhar sonhos de ar livre e vôos. Saiu da terra. Sua casca não era mais capaz de suportar a vida que crescia dentro dela. Arrebentou. E dela surgiu um outro ser, alado, pneumático. Nós, seres humanos, somos como as cigarras. Só que nossas cascas são feitas com palavras. Crescendo a vida, as cascas verbais se transformam em prisões. Têm de ser abandonadas, para que a vida continue. “A serpente que não pode livrar-se de sua pele morre. Assim são os espíritos que são impedidos de mudar suas opiniões. Eles cessam de ser espírito”: aforismo de Nietzsche.

(Rubem Alves)











imagem: Daves Davi