MINHA PRIMEIRA NAMORADA (Parte II)

 

 

 

 

Seria uma antevisão do que estaria para nos acontecer?

Certa vez eu me lembro de tê-la escutado a cantar pelo rádio, numa emissora de Criciúma, era a canção o “Relógio” de cuja letra não me lembro mais.

Fiquei muito orgulhoso de ouvi-la cantar, mesmo entre uma interferência e outra de estática, eu matei as minhas saudades que já eram incontroláveis.

Nessa época, eu dei os primeiros passos com relação à literatura, pois principiava modestamente a escrever um romance totalmente inspirado no amor e na paixão que desabrochava.

Tudo com o auxílio de José de Alencar, pois o livro que naquela época estava lendo era “O guarani”, e assim quis transpô-lo para a minha primeira paixão.

Era um encantamento que se estava vivendo, e que urgia registrá-lo com todo o lirismo possível.

Nessa história que não terminei, eu me intitulava de “Peri” e a ela eu me referia como se fosse a “Ceci”.

A Ceci dos meus sonhos.

Nesse suposto romance principiado em folhas de caderno, eu me intitulava como um guerreiro guarani que, ao se dirigir à taba dos Lessas, havia encontrado uma linda índia da tribo dos “Caras-Pálidas”.

Ela era vinda de terras distante, da cidade chamada de: “cidade das terras pretas”, um lugar onde os homens cavavam a mãe terra para extrair a negra terra que queimava - o carvão.

Essa história do romance ficou inacabada e, até hoje, eu não sei o paradeiro dela, acho que o tempo a engoliu para sempre, assim como iria fazer com o nosso amor no futuro.

Hoje eu sei que ainda a quero, mas não sei se ela me quer.

Acabaram-se as férias e ela se foi e, quanto a mim, fui para o internato em Florianópolis cheio de aventuras para contar aos meus colegas, pois era esse o nosso passa tempo preferido nos recreios.

De lá do Colégio eu despachava as cartas, que eram verdadeiros mísseis amorosos, pois a paixão e o amor ainda não haviam arrefecido.

Numa época, eu não recordo mais qual foi, economizei alguns cruzeiros da minha mesada e comprei-lhe um anel, era um bonito anel, pelo menos eu achava, entretanto ela o perdeu numa certa noite quando atravessávamos a linha férrea.

Isso aconteceu quando já éramos casados, foi essa a primeira perda do grande amor que em nós transitava.

Esse anel era de ouro, ele portava em sua superfície frontal superior pedras semipreciosas, um mineral rico, talvez uns seis, e eram da cor vermelha como rubi e verde como as esmeraldas.

Estava nesse anel encerrado para todo o sempre, um amor com o qual santifiquei seus belos e jovens dedos, esses mesmos dedos que mais tarde iriam me acariciar com volúpia e paixão.

Foi-se o anel, entretanto ficaram os dedos, esses mesmo dedos que um dia iriam me acariciar fogosamente.

Pela páscoa de 1960 eu fugi do colégio e fui até Criciúma para visitá-la, qual não foi o seu espanto quando me viu no colégio dela, a lhe esperar assim como fazem todos os namorados, não sei se ela se lembra dessa façanha.

À noite, fingíamos que íamos à missa e aproveitávamos a ocasião para passear em derredor da praça da matriz.

Esse era um hábito da época, um casal após o outro dando voltas na praça, de vez em quando sentávamos num banco quando era desocupado, assim ensaiávamos a primeira pegada de mão, empreitada que não era fácil.

Por essa época o “Marzo” irmão da namorada, tinha lá os seus quatro ou cinco aninhos, e ele era a nossa companhia obrigatória em nossos passeios românticos.

O mesmo era tido como um marco de segurança, para que não nos avançássemos em carícias fugidias, pois a presença do menino era como se fosse uma extensão do próprio pai dela.

E assim, o Marzo estabelecia a eterna vigilância sobre a mana.

Tudo era feito dentro do maior respeito, e nós nos portávamos com todos os cuidados que a época e os costumes exigiam.

Tudo era muito puro, é lógico que havia os momentos de lubricidade, quando se estava realmente só chegava-se a pegar nas mãos, era uma vitória e tanto para a época.

Beijar era muito raro e dar uns amassos era mais raro ainda, por isso tudo e pelo comportamento dela, eu me casei com uma mulher verdadeiramente virgem.

Na  verdade, uma “doce virgem” tão virgem que não tinha conhecimento do sexo, nem do meu e nem do dela.

Mas que nos amávamos isto sim, nós nos amávamos com toda a fúria, assim como e quando se é jovem e fogoso.

Já em 1961 eu servia ao Exército e as correspondências continuavam a transitar entre Criciúma e Florianópolis, elas eram sempre apaixonadas e cheias de promessas.

Passamos o maior tempo de nosso namoro somente através de correspondências, esse amor só não era platônico porque havia alguns encontros, mas não era a rotina.

É verdade que nos encontramos por várias vezes, mas no período que transcorreu entre 1961 a 1964 eu fui para P. Alegre estudar e trabalhar.

As saudades, às vezes, queriam nos devorar, pois agora a distância era maior e o sofrimento na mesma proporção, eu tinha verdadeiros impulsos de largar tudo e ir ao encontro dela para sempre.

Nossas cartas agora voavam entre P. Alegre e Criciúma, a cada dia elas eram mais chorosas e cheias de amor, não perdíamos as nossas esperanças, as promessas eram cada dia mais concretas e portadoras de desejos loucos.

Aos sábados sempre pela tarde, eu me dirigia para a Praça dos Açorianos, e lá me sentava e escrevia os meus mísseis amorosos, verdadeiros exocetes de amor.

Essa era uma forma de estar sempre em contado com o meu grande amor, de cuja intensidade e grandiosidade, nós não sabíamos o que fazer e nem como lidar com ele.

Minha situação em Porto Alegre, com o passar do tempo, tornou-se insustentável em virtude do meu engajamento no movimento estudantil considerado subversivo, por isso vim de volta fugido para Santa Catarina.

Fixei-me precisamente na cidade de Tubarão, e lá trabalhei uns noventa dias, logo em seguida, poder-se-ia dizer em ato continuo, fui para Criciúma, a minha cidade alvo, em busca de um sonho.

Lá chegando, eu fui bem recebido por todos; e aqui faço uma menção especial de agradecimento ao Sr. Waldemar, meu sogro, e a Dona Ana, minha sogra, pois os mesmos me receberam como se fora a um filho.

E assim me trataram como filho durante o casamento e depois dele, portanto nunca hei de esquecê-los.

Eu tenho a impressão de haver entre eu e ela, algo entre nós que deve ainda ser terminado, pois eu não sei o que o futuro nos reserva.

Aguardemos, pois o futuro não nos pertence, apenas o presente é vivido e o passado, às vezes, nos tortura com as reminiscências batendo-nos à porta da consciência

Parece que o destino havia acabado de traçar o meu caminho, senão vejamos o que iria acontecer logo em seguida.

Em 1966 no dia 12 de fevereiro me casei com a dita namorada, começamos uma vida simples e pobre, mas muito cheia de vontade de vencer, e ela era para mim naquela época a pessoa mais linda e desejada.

Apesar da pouca experiência que tínhamos, vivemos realmente um idílio, acho que ela também o encarava assim.

Fomos felizes, sim acredito que sim, pois ainda transitava em nós aquele grande amor.

Apesar da nossa pouca aptidão e conhecimento das coisas do sexo e, propriamente dita do amor, fomos sim felizes, mas nem tudo era um mar de rosas.

Hoje, talvez, eu faria um mar de rosas.

Mesmo assim nos comportávamos satisfatoriamente realizados, mas nunca perdendo de vista os desejos e os anseios para vencermos na vida.

Vencemos? Quero crer que em parte vencemos, pois saímos do anonimato e da pobreza, para galgarmos satisfatoriamente uma vida mediana.

Com o passar do tempo, os ventos contrários sopraram em nossa direção, e nós não soubemos dar um rumo certo naquele amor, que era bom e cheio de promessas.

Aqui eu abro um parêntese, para confessar a minha total culpa pelo naufrágio daquele amor, agora esta narrativa que era idílica, passa a ser um confiteor, de cuja culpa até hoje me imponho como penitência merecida.

A posição profissional e financeira em que me encontrava me subiu à cabeça e, dias após dia, eu a fui perdendo sem sentir, pois eu andava numa busca desenfreada por aventuras e amizades que nada me somaram, ao contrário, fizeram-me soterrar aquele grande amor e subtrair a confiança dela.

Agora depois de passado muitos anos, já um avô, eu não sei se foi obra do destino ou lances incompreensíveis e irresponsáveis da minha vida. Às vezes, eu acredito mesmo que foi despreparo e imaturidade, mas quero crer que a imaturidade foi responsável por tudo isso,

Estou fazendo esta retrospectiva com muita angústia e uma dor sentida, talvez seja a dor do arrependimento.

Havia imaturidade de ambas as partes e, por tratar-se de um despreparo e certo orgulho, nos colocamos em extremos opostos e não soubemos reciclar aquele amor. Assim eu tento me explicar, talvez ela hoje tenha uma melhor explicação, entretanto este é o meu juízo.

Se me fosse possível voltar e navegar no tempo, eu tenho a certeza que não repetiria tal vivência, muito pelo contrário, teria me esforçado para reciclar a nossa pobre convivência, procurando ressuscitar em nós todo aquele amor do passado que fora negligenciado e esquecido.

Mas como o tempo não é navegável, destarte somente pelas lembranças vivemos o passado, agora já navegando os sonhos longínquos em que, o futuro se fez presente e muito breve.

Esta história é um confiteor e um “mea culpa”, todavia tento através dessa confissão ser honesto, e narrar esse romance do passado sem os ranços e o rancor que, poderiam cobrir de negritude uma vida que foi boa, apesar de não ter havido um fim tão auspicioso.

Entretanto, resta-me aqui apresentar as minhas escusas e o meu pedido de perdão, se é que neste caso ainda sou merecedor de perdão.

Não sei se devia escrever esta história, todavia eu a submeto a um julgamento, para que, mesmo sem a possibilidade de uma reconciliação, eu possa avaliar se realmente houve amor nesse relacionamento ou se ainda há.

Não posso falar em reconciliação, porque acho que reconciliados nós já estamos, apenas eu estou contemporizando toda uma situação que foi vivida, sem nunca desmerecê-la em minha história.

Com relação ao amor, eu quero dizer que ele ainda existe sim, a não ser que esta história seja vista sob outro ângulo, mas na verdade, ela só tem um prisma de visão que aqui posso chamá-lo de: O prisma da humildade.

Assim ficam estabelecidas as minhas razões que foram somente de amor, e agora eu te entrego esta história que, na verdade, são versos, mal chamados versos, que só se levantaram das minhas lembranças porque tu lhes deste a vida.

O amor é curto, mas longo é o seu esquecimento.

Senhora que foi muito amada, eu quero te dizer que, a minha vida foi uma história, uma fantasia sim, porém digo-te sinceramente minha senhora, que não obstante a minha vida tenha sido uma revolução íntima, eu a amei.

Ah, como eu a amei!

Para encerrar esta história com vestígios de uma elegia, eu desejo que tenhas conhecimento dela e, para tanto, eu passo às tuas mãos, pois o que nela expressei é um devaneio sincero da minha alma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eráclito Alírio da silveira
Enviado por Eráclito Alírio da silveira em 25/09/2008
Reeditado em 29/09/2008
Código do texto: T1195473