Moni

Escrito em Varanasi - Índia - Setembro 2008

Em meio a ruinha estreita
Eis que uma mãozinha aparece.
Mãos que toca e nosso corpo não aceita.
Mão que toca porque carece...

Num gesto que junta os dedinhos,
Toca o peito magro e a suja boca,
Remete seus chorosos olhinhos,
Janelas de sua fome oca!

Sentimento duro petrificado
Sai apertado machucando...
O auxílio da esmola foi negado.
Mãozinha continua tocando...

Cabelo curto, sofrida criança,
Se perde no meio da multidão
Mas em sua alma crava a esperança
De no dia seguinte achar meu coração!

Minha cabeça sobre o travesseiro
Tenta da memória fugir,
Mas seu rostinho inteiro
Fica a me perseguir...

Na manhã meu corpo acorda
Renovado para o novo dia.
A mente não quis mas recorda
A imagem da agonia...

Por outros cantos de Varanasi
Comerciantes, escrementos de vaca...
Numa harmonia caótica sem base
Novamente a mãozinha ataca...

"Mami, papi, please Sir"
Vozinha aguda que vai fundo
No mais profundo do Ser
Entra sem permissão no meu mundo...

O seu toque não mais rechaço,
Insistente pede e apenas incomoda...
Me causa um grande embaraço...
Mas aos poucos meu coração acomoda...

Insistente é meu ego
Que frio meu coração endurece...
Outra vez o não eu lhe entrego
E aquele rostinho de garra, padece...

Meu peito frio, mas quente embaralha,
Justifico não poder a todos ajudar,
Mas a voz que escuto é: "Canalha"
Como pode moedas sem valor negar?

Mais uma batalha perdida...
Que minha alma corta.
Mais uma amarga despedida
Que a menina triste comporta.

Tudo pela noite repete igual.
Conflito em minha consciência.
E no dia seguinte em outro local
Repete a menina na insistência!

Por que em meio a tanto peregrino,
Esta menina a mim vem grudar?
Por que de dezenas de menina e menino
Justo esta vem me suplicar?

Seu toque já não pede. Me dá.
Que estranha sensação!
Ouço uma voz: É agora, já!
Cinquenta rupias na minha mão!

Ela quase não acredita
No triunfo de sua conquista!
Mas a minha mão à sua credita,
Renuncio o meu lado egoista.

Sua cabecinha eu aliso,
Com vencido carinho.
Ela abre o vitorioso sorriso
E parte dando à nota um beijinho.

Não sinto nenhuma vitória
Neste ato de pouco valor.
Mas dela é a glória
Por dar ao meu coração: cor.

No dia seguinte depois do Puja,
E do encontro com a velhinha,
Eis que aparece a dita cuja
Com sua melhorada carinha...

Me apresenta bem diferente.
Sem a costumeira abordagem.
Trocou o rosto choroso pelo sorridente,
Perguntando com toda coragem:

"Remember me?"
Respondo confuso: Si!
Me olhando iluminada,
Sem pedir nada...
Pergunta o meu nome, baixinho.
Respondo e ela no sotaque repete...
Ajudo-a na pronúncia com carinho
E com um bom espanhol comigo compete.

Um brilho diferente a ilumina,
Que comigo forma um doce elo!
Numa magia a mais bela menina,
Num lindo vestidinho amarelo!

Quando na emoção, sorrir consegui,
Seu nome perguntei com jeito.
Ela contente diz: Moni.
Com jeitinho satisfeito.

"Que lindo nombre y estas muy hermosa"
Ela ouvindo isso, feliz como anjinho
"He comprado con su regalo", Diz orgulhosa!
Na gratidão expressa com carinho.

Meu Ser neste instante brilhou como ouro
Virei de lado no incontrolável choro,
Não sabia o que pensar ou como agir...
Apenas assisti o amor de meu âmago surgir!

Ao virar, sem nenhum embaraço
Meus olhos aos seus procurou...
Nós dois chorando, nos apertamos num abraço,
Meu espírito com o dela fusionou!

Mas que cena inesquecível!
Que momento precioso!
Parecia minha neta! Incrível!
Mas que sentimento gostoso!

Com minhas mãos acariciei sua face,
Parecia amor antigo
Que ela mostra e renasce
Dizendo: "És mi Amigo"?

"Si, soy su amigo, querida!
Y también és mi amiga!"
Na emoção toda liberada...
Ela no agora, conformada

Diz: "Adios amigo... Com a mãozinha...
E como regalo não chorado
Dei umas rúpias que eu tinha.
Que agradeceu beijando apertado.

À Índia agradeço por sua filha
Que rompeu meu duro coração.
Deixei de ser ilha
Estendendo minha mão!


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Mensagends recebidas em meu e-mail:
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Linda história para contar,
Lindas palavras para versar,
Só podia vir de um Tio,
Que buscado, vivenciou e sentiu,
O amor de Deus, em uma Menina esbanjar!

Quantas histórias o senhor tem para seus netos heim Tio!
Fico muito feliz pelo senhor!

Lucas Nini
(meu sobrinho)

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Saulo...
Namastê !

Vejo que mais um recanto de seu coração
foi tocado pelo amor fraterno.
É isso mesmo que a Índia faz
com aqueles que vão ao seu encontro.
Bom para você que agora
"deixou de ser ilha" ... já é
parte de um todo, integrando o
continente dos que sabem abrir o coração.
Seja bem vindo !
Feliz retorno para o nosso grupo.
AbraçOM
Rosalice (amiga do Curso de Vedanta no Isvara)

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SAULO,

QUE LINDO VER VC ABRIR SEU CORAÇÃO E NOS BRINDAR COM TAMANHA EMOÇÃO NUMA POESIA TÃO VERDADEIRA...

PUDE SENTIR O TOQUE DA MONI EM MEU BRAÇO, SUAVE E DOCE...TÃO CONTRASTANTE COM A DUREZA DA PRÓPRIA VIDA...

DEUS PRESENTE EM TUDO...É ISTO QUE A ÍNDIA NOS TRAZ...

SAUDADES DE LÁ...

BEIJOS
SANDRA GEMMA (amiga do Curso de Vedanta do Isvara e companheira na Peregrinação à Índia)

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Oi,Namastê.
QUERIDO SAULO,que linda poesia que linda realidade,que linda estória deixastes na Índia. Beijos Márcia Branco (companheira do Grupo Ananda-Ganesha e da Peregrinação à Índia)

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