CLAVE DE SOL

Para D. Celeida Castanheira

Ligeira, lépida, sempre sorrindo, seus maravilhosos dentes que a mim lembravam as teclas alvas de seu piano de cauda, nunca a víamos triste, parecia desconhecer problemas.

Adentrava a sala de aula enquanto a vida, no compasso do seu caminhar, harmonizava-se de pronto.

Brincos pequenos, coloridos, normalmente combinando com sua roupa. Seus dedos imitando a uma batuta marcavam o compasso da música harmônica que enchia o austero colégio com a suavidade de nossas vozes.

Assim adentramos o universo da escala musical, na pauta da vida, navegando nas ondas das fusas, semifusas, assimilando bemóis e sustenidos, colcheias e breves... Como breve e semibreve pode ser o tempo!

“Bom Sucesso cidade querida, mãe extremosa de gente viril...” Com a música, sentíamos a emoção de nos reconhecer bom-sucessenses, mineiras, brasileiras. Sentimento esse que perpassava em cada uma cada uma de nós, alunas do segundo grau, no querido e saudoso colégio Benjamim Guimarães em Bom Sucesso.

“...Glória igual não existe na terra” Sentimentos palpitavam junto à canção que alternava sons altissonantes cadenciando as nossas almas juvenis.

Quando cantávamos o Hino Nacional, o brado retumbante de uma turma se fazia ouvir pelos corredores da escola e ficaria gravado em nossas mentes ad eternum.

Eram canções de roda, hinos, como o da Bandeira, através do qual aprendíamos a importância de amar e de respeitar o “lindo pendão da esperança”, a dar cores verde, amarela, azul e branca aos nossos sentimentos que tremulavam intensos diante do “símbolo augusto da paz”, numa oferta sincera de amor e respeito. E eu, que sempre gostei de cantar, apesar da timidez, tentava soltar a voz, “segunda voz”, segundo a mestra, viajando na letra das canções que ela confirmou como verdadeiras pérolas face ao respeito e maestria com que executava cada uma delas.

Dona Celeida Castanheira nasceu para a música e transformou nossas aulas de Canto Orfeônico em verdadeira declaração de amor à vida e à arte e hoje sabemos que o amor transformou em saudade, depois de tantos anos... A tudo quanto com ela vivemos. Áureo tempo!

Recorda-me o “Terço Vivo” que apresentamos no palanque armado na Praça Benjamim Guimarães. Todas nós, meninas vestidas de cetim azul, ainda posso sentir nas mãos a suavidade da seda. E nós, como verdadeiros anjos, portando velas acesas, representávamos, cada qual, a uma conta no terço vivo, de um formato original, encantando a cidade. E lá estava a maestrina, incansável, nos ensaiando, com extremo cuidado, para que nada saísse errado.

A nossa formatura... O ambiente todo enfeitado com cravos de papel crepom, “fabricamos” em grande quantidade, sob a orientação de nossa mestra, tempos antes da data prevista. E "as corbeilles ficaram lindas!" Dizia D. Celeida, com os olhos a brilhar.

D. Celeida a tudo organizou, escolheu o modelo da roupa que usamos durante a celebração da missa: um vestidinho cor-de-rosa que portava uma rosa confeccionada do próprio pano. Ainda me lembro que a roupa tinha uma manga godê curta, que emoldurava novos braços jovens, que agradou a todas, pela simplicidade e elegância. E como fizemos bonito! Foi uma festa memorável, pela musicalidade e alegria. O nosso paraninfo representava ma justa homenagem a um membro benemérito de nossa cidade, da família Benjamim Guimarães.

Mais de trinta anos se passaram, e há pouco, em julho de 2008, eu a encontro na “Festa de Congraçamento das Formandas de 1972”. Que alegria vê-la em nosso meio a representar todos os professores ausentes, com a costumeira cordialidade, solícita e amiga, atenciosa como convém a um ser humano repleto de qualidades.

Nada, sequer o tempo a modificou, a sua aparência permanece jovem.

Dona Celeida amiga, modelo de delicadeza e suavidade, um ser como poucos, aquela que permanecerá em nossos corações.

Lembro-me tanto... A senhora se lembra?

“Vento que balança as palhas do coqueiro,

Vento que encrespa as ondas do mar,

Vento que “açanha” os cabelos da morena...

Me traz notícias de lá...”

Com amor,