Amor é loucura

Sempre que ouço Crazy, do Aerosmith, penso nele. Não; essa não era nossa música. Aliás, nem tivemos música a dois. Mas a escolhi há algum tempo, quando me ajudou a montar um CD de baladas gravadas por roqueiros.

E, aí, é inevitável... Recordo de seus cabelos curtos e grisalhos. Penso na paciência que sempre tem comigo e o carinho constante. Temos a mesma altura, fazendo com que seja considerado baixo para um homem, e está acima do peso. Muito acima. Quase sempre usa camisas ou camisetas escuras e lisas. Bebe demais. Aos fins de semana sempre; durante a semana, às vezes. Adora tudo que é ruim em termos de música; rock barulhento e exótico, ensurdecedor e que custa caro.

Ao mesmo tempo em que se diz falido e desesperado, é capaz de gastar três mil em discos raros de rock, achados depois de algumas horas de busca no Google, ou num sebo paulista. Ou, numa saída com conhecidos, consome uma garrafa caríssima de uísque importado do melhor quilate. Aí, trabalha duro a cada dia da semana, a cada hora dia. E não dorme direito, não come direito, não descansa direito. Mas faz de tudo pra se reerguer e dar mais conforto a todos.

E qual a razão de eu querer tanto esse homem? Porque ele tem ombros enormes. Porque ele fala um “Oi, Linda...” com a voz rouca mais sensual e excitante do mundo. Porque ele não pode saber que desejo comprar algo que quer me presentear, mesmo sabendo que não aceitarei. Porque ele fica seis horas e quinze minutos teclando comigo, durante suas viagens, conversando sobre tudo que eu quiser e calando-se quanto a tudo que eu também quiser. Porque ele tem um paladar totalmente gay, amando risoto de tomate seco, canjica feita pela mãe, sorvete Häagen-Dazs, salada caesar e uma infinidade de sanduíches esdrúxulos. Porque ele usa perfumes importados e deliciosos. Porque ele praticamente não ri e adora fazer cara de mau pra me irritar. Porque ele só se hospeda em hotel com net, a despeito das despesas, para falar comigo. Porque sabe quando estou bem ou não. Porque ele adora me irritar contando cada uma das vezes no mês em que foi cantado na rua e no trabalho. Porque ele passa quatrocentos e oitenta minutos fuçando sites de busca para achar quaisquer coisas para as quais eu peça ajuda. Porque ele ama ficar diante do PC apenas de camisa de malha.

E porque ele, um homem só, é tudo isso que eu ainda quero pra mim.

Nossa história sempre foi conturbada. Bom, acho que nem chegou a ser história. Ou não foi nossa... Há muito tempo, quando não se ouvia falar em computador doméstico no Brasil (é; somos dessa época...), coloquei um anúncio em revista propondo troca de correspondência. Era adolescente e desejava conhecer pessoas bem diferentes e aumentar minha coleção de calendários de bolso. Quando meu classificado foi publicado, choveram cartas. Foram mais de duzentas e, no meio delas, estava a dele...

Fizemos amizade e tínhamos muito em comum. Trocávamos cartas enormes e alguns telefonemas. Um dia, quis que nos conhecêssemos por foto. Não lembro se mandei a minha, mas ele enviou a de uma apresentação sua com uma banda. Nela, estava vestido de morte, coberto dos pés à cabeça. E a foto que o revelasse jamais veio.

Certa vez, esteve no Rio em razão de um evento esportivo, ligado às corridas de F1, outra de suas paixões. Marcamos um encontro. Combinamos de ir a minha casa, numa noite de sábado. Como estávamos próximos da Páscoa, pus-me a esperá-lo com um lindo e enorme ovo de chocolate. As horas correram. Foi o único bolo que recebi na vida e traumatizou tanto que não recordo se comi o chocolate inteiro, se fiz um leilão, ou se o doei a um museu em nome de um encontro que queria que tivesse mudado tudo. Quando nos falamos no dia seguinte, durante o Fantástico, acordamos um encontro para a segunda de manhã, quando ele regressaria ao interior de SP. Mas aí fui eu que aprontei. E o deixei esperando a moça de blusa vermelha aparecer...

As cartas foram escasseando e nunca mais tivemos contato. Eu fiz Letras, mudei de cidade e comecei a trabalhar. Fiz Pedagogia e trabalhei mais. Ele fez Administração, começou a trabalhar, virou empresário e casou.

Aí, o tempo passou mais e mais... Eu tornei-me uma orkuteira viciada, pensando que todos os ex-amigos, antigos conhecidos, inimigos e parentes distantes ou sumidos poderiam ser encontrados. Alguns puderam mesmo! E ele foi um deles...

Mexi num vespeiro. Acordei o leão. Despertei a matilha toda. E ainda queria que o mundo continuasse quietinho, imutável, silencioso... Impossível. Que louca! A paixão reacendeu luminosa, intensa a cada chat pelo MSN, a cada webcam acionada, a cada madrugada de riso, confissão ou saudade...

E eu me pergunto... E se tivéssemos nos encontrado?

Vanise Macedo
Enviado por Vanise Macedo em 11/07/2009
Código do texto: T1694212
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