Um último aplauso a Nélio Horta

Todos sabem que em nossa cidade, a Cultura, até bem poucos (muito poucos, mesmo!) anos atrás, não era prioridade da administração pública.

Prova incontestável disso está bem diante de nossos olhos, na Rua Direita. Nosso Teatro Antônio Roberto de Almeida. Há mais de 10 anos fechado, quem sabe, à espera que seu teto desabe para que (espera-se) seja restaurado ou, no mínimo, reformado. É... Em Santa Luzia nunca se deu muita bola para Arte e Cultura... Mas esse quadro já está começando a mudar. Por mais que alguém protestasse contra isso, nenhuma das administrações anteriores se dignou a dar o pontapé inicial na reforma do teatro. Por mais que os artistas locais o pedissem, ele continuou apodrecendo. Por mais que uma voz se levantasse sobre todas as outras, como João Batista, na Bíblia, a voz que clamava no deserto, nada foi feito. Não, isto não é uma crônica política.

Esse João Batista dos tempos modernos tinha outro nome. Chamava-se Nélio Horta. Teatrólogo, diretor e professor de teatro, ator, músico (percussionista), bailarino, artista plástico, Nélio, natural de Itabirito-MG, internacionalmente premiado várias vezes, radicou-se aqui há alguns anos, trazendo todo o seu cabedal artístico para nossa cidade, fazendo daqui sua terra. Porém, temos que citar, novamente, a Bíblia, que diz que um profeta não profetiza em sua terra. Com ele não foi diferente. Aqui ensinou teatro, dirigiu, atuou, criou cenários, tocou e, mais que todos, lutou pela reforma do teatro. Mas, como o Batista bíblico, não foi mais que uma voz clamando no deserto, pregando para pedras e lagartos, apesar de fazer algum eco. Foi co-fundador da Associação dos Artistas em nossa cidade, no início da década, entidade que, devido ao descaso das autoridades, de quem não recebeu nenhum apoio, acabou não dando em nada

Nélio se foi. Encerrou sua participação no palco da vida. Entretanto, sua obra permanece. Sua última peça está para estrear e ele a assistirá do plano espiritual. Seu corpo foi sepultado em sua cidade-natal. Morreu discretamente, como sempre viveu, pois nunca reivindicou o prestígio que um artista de seu naipe merece. Este ele recebeu dos amigos, dos artistas locais (ou não), que com ele tiveram oportunidade de, no mínimo, ter uma conversa (superficial que fosse) sobre arte ou, até mesmo, dividir com ele um palco, fosse encenando uma peça, trabalhando nos bastidores, ou participando de um grupo musical. Tão discretamente morreu que muitos, inclusive este cronista, levaram mais de uma semana para tomar conhecimento do fato. Dentre tantos trabalhos que desenvolveu, destaco aqui sua participação no Quinteto Esquadro como percussionista. Este grupo, do qual também fiz parte, atuou na cidade (e fora dela) entre os anos de 2001 e 2004, quando se desfez, mas a amizade entre seus componentes perdura até os dias atuais.

Nélio se foi, volto a dizer. E, com ele, parte significativa do brilho da arte e da cultura de Santa Luzia. O meio artístico local (musica, teatro e artes plásticas) está de luto.

Só nos resta dedicar-lhe um último aplauso.

Bravo! Bravíssimo!

Júlio Marques

Violeiro, ex-componente do Quinteto Esquadro, fundador da Orquestra Viola Iluminada e professor de viola caipira.

juliomarquesvioleiro@hotmail.com

Crônica publicada no Jornal Muro de Pedra, edição nº 376, de 25.11.2009

Júlio Marques
Enviado por Júlio Marques em 24/11/2009
Reeditado em 13/11/2012
Código do texto: T1940703
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