O Novo Velho do Restelo

(Paráfrase que fiz ao "Episódio do Velho do Restelo", d´Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, no Canto IV, das oitavas 94 a 97).

Mas um velho de aspecto sobre-humano,

Que ficava nas praças, entre a gente,

Fitou-nos com clareza e desengano,

E negou co´a cabeça e mais co´a mente;

Alto, o brado latino-americano

Se fez mais claro n´ágora vidente.

E nós, de ouvido aberto (e olhar estreito),

Capitalistas: já não tem mais jeito...

– “Ó glória de comprar! Ó vã cobiça!

Desta vaidade a que chamamos Posses!

Podem chamar-se Bens! Também Divisa!

Aumentam tua sede! E como tosses!

Não sabes que não há maior premissa

Que a de calcular que, se tu não fosses

Tão rico, a Etiópia e Angola

Teriam mais comida e mais escola?

– “Besta inquietação d´alma e da grana

Que resume tudo a Poder e Impérios!

Tão tolos, que não passa uma semana,

Sem que haja inúteis, fortes, deletérios

Assassinatos! – Sim, porque é insana

A boca que não grita os casos sérios

Ocorrendo, em jornais, na própria vida,

A tanta gente pobre, desvalida!

– “Mas não! Queres comprar! Comprar! Só isso!

O que causa esta fome, este vazio?

Talvez porque tu sejas tão submisso

Que nem discernes nada? És arredio?

Impõem sobre teus pés um precipício,

Mas te endividas, e o teu toque é frio?

Será que, na verdade, não tens medo

De que, sem posses, saibam teu segredo?”