GLAUCO, TIRARAM-NOS AS TIRINHAS

O desenhista e cartunista Glauco Villas-Boas foi assassinado na madrugada de hoje, 12 de março de 2010, durante um misto de assalto e tentativa de seqüestro. Seu filho, Raoni, também morreu a caminho do hospital.

Não acredito, não aceito, não me conformo. Fogem-me as metáforas, os oximoros, todas as figuras de linguagem. Mataram um cartunista, e, com ele, morreu um pouco do escritor que sou. Toda a minha adolescência foi pontuada pelas nóias do Geraldão, pelas viagens do Casal Neuras, as loucuras de Dona Marta, a filosofia suburbana do Zé do Apocalipse, pela fidelidade do traço único, com nanquim no papel.

Na companhia de Angeli e Laerte, Glauco fez história com a Revista Chiclete com Banana, me insuflando de humor cítrico, ironia cáustica, sarcasmo escrachado, fazendo com que ainda muito jovem eu me tornasse capaz de enxergar as mazelas sociais que nos esmagam por um ângulo cheio de riso e piadas hilárias e, graças a deus, politicamente incorretas. Glauco nos apresentou tipos estranhos, neurastênicos, psicóticos e que, mesmo assim, não deixavam de ser extremamente carismáticos, meus fodidos e amados companheiros de ônibus, de banheiro, sempre estavam comigo em meus horários de folga, na fila de banco, na sala de espera do dentista, no banco de trás do carro. Ainda esta semana vi uma de suas tirinhas do Geraldão – na companhia de Sharon Stone 1.8, sua amante inflável – estampada na camiseta de um amigo que também agora deve estar puto da vida com o pau no cu que tirou a vida do Glauco. Não há espaço para metonímias, não cabem eufemismos, só hipérboles: quem tirou a vida do Glauco é o maior filho da puta do mundo!

O outro Glauco, o de Creta, filho de Minos, morreu afogado em um pote de mel. Já o nosso Glauco, este nos foi arrancado de forma brutal, na companhia do filho que – muito provavelmente pela primeira vez em sua vida – ele não queria a seu lado.

Para nós, ardorosos fãs, admiradores entusiastas de seu puta trabalho, restou o consolo de que artistas não morrem, sobrevivem em suas obras e nas releituras feitas por aqueles que mantêm suas memórias vivas.

Hoje eu vou tomar um porre, Glauco. Hoje eu vou esquecer que o cara que te matou é vítima desta sociedade de merda que você, com muita graça, tanto sacaneou e esculhambou. Só por hoje, eu vou xingar teu assassino de escroto, de fodido, de filho-da-puta, hoje será impossível não odiá-lo, será impossível não desejar que o tiro que te vitimou tivesse saído pela culatra.

EMERSON BRAGA
Enviado por EMERSON BRAGA em 12/03/2010
Código do texto: T2134206
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