Esperanças sem fim

Esperança sem fim

Olhei para o relógio mais uma vez, os ponteiros pareciam colados, ainda eram quatorze horas. Minha ansiedade começou às seis horas, quando meus filhos acordaram mais agitados do que nunca, felizes com o retorno da mãe, que voltaria depois de cinco dias de uma viagem a trabalho. Os olhos deles brilhavam corriam de um lado para o outro, eu também estava feliz, poderia enfim comemorar juntos os 40 anos que ela completara na terça-feira, dia 26. Depois do café, deixei sobre a nossa cama um presente que havia comprado para ela, a mesma blusa que no sábado passado ela tinha visto e se encantado no shopping, logo eu que nunca gostei de comprar roupas femininas, mas pela primeira vez, quebrei a tradição. Disse aos meninos que viria pegá-los às dezessete horas para irmos ao aeroporto.

Aquele dia passou mais devagar que os outros, tal era a minha ansiedade, aproveitei a hora do almoço para comprar flores para ela, afinal há algum tempo que não fazia isso.

Quatorze e trinta, o tempo não passa, ensaio o “eu te amo” para falar a ela, pois um pouco antes da viagem tínhamos discutido por uma bobagem, mais culpa minha.

Quinze horas, ela liga, dizendo que já estava no aeroporto preparando para embarcar, perguntando pelas crianças. Eu respondo que está tudo bem e que às 18:00 estarei no aeroporto. Pensei em dizer o “eu te amo” tão ensaiado, mas preferi dizer mais tarde olhando dentro daqueles vivos olhos castanhos, quem sabe ao som de uma música.

Dezesseis horas, saio do trabalho mais cedo, os colegas, que haviam percebido a minha ansiedade e felicidade, brincam dizendo que hoje a noite promete. Apenas sorrio, despeço-me e desejo um excelente final de semana a todos, aquele que seria o final de semana mais longo da minha vida.

Coloco no carro nosso CD favorito, passo em casa, pego as crianças, que estão, para minha surpresa, já arrumadas, aguardando-me comportadas. O trânsito de Brasília, como todos finais de tardes de sextas-feiras, está complicado, mas ainda bem que o Eixão não tem sinais, e logo estou no aeroporto.

Percebo uma agitação diferente logo na entrada, as pessoas passam rápidas, semblante pesados, emissoras de tevê, um clima meio tenso, vejo uma aglomeração no balcão daquela empresa, em que ela viajava. As crianças estão sorridentes, afinal, dentro de alguns minutos estarão com a mãe. Pergunto a um funcionário do aeroporto o que houve, ele responde que um avião está atrasado. Uma informação vaga, a primeira informação vaga, das muitas que iria receber.

Meus filhos sem entender nada, só perguntam quando a mãe irá chegar. Encaminho-me ao balcão da empresa e pergunto o que houve, a moça, com aquele sorriso que parece colado no rosto, diz que o vôo 1907 está atrasado. Explico aos meus filhos que a mãe deles irá atrasar, mas que chegará logo. Até agora estou firme, só ansioso, com as flores na mão. Vou a lanchonete, quando de repente a edição extraordinária do jornal avisa que um avião caiu na selva Amazônica, não sinto mais o chão, pego meus filhos e dirijo-me ao balcão, as flores ficam sobre a mesa, nunca serão entregues. Agora o aeroporto é puro desespero, choro, incerteza, esperanças, descrenças, lamentações, revoltas, dor.

Vinte horas, tenho esperanças, esperança que ela não tenha embarcado naquele vôo, que por algum motivo, ela tenha perdido o avião e não tenha conseguido me avisar. Esperança que o avião tenha aterrisado numa área limpa no meio da selva e esteja aguardando socorro, esperança de está sonhando. Duas horas da manhã, durmo no banco do aeroporto, os meninos já estão na casa de amigos. Um funcionário chega com a lista dos passageiros, não quero escutar os nomes, mas não tenho como fugir, um a um o nome são lidos, a cada nome lido um alívio, até que um nome que faz parte da minha vida é lido.

Daquele momento em diante, noticias desencontradas a todo o momento: não escapou ninguém; existem sobreviventes; os sobreviventes foram resgatados e estão bem, a cada noticia diferente, uma reação diversa: alivio, dor, tristeza, esperança.

Passaram sete dias, meus filhos ainda não sabem bem o que aconteceu com a mãe, nem eu mesmo sei. O presente continua sobre a cama, ainda não consegui dormir nela. Ontem jogaram flores no local do acidente, queria que uma pétala daquele buquê caísse sobre o local, para ela sentir um pouco da minha presença.

Mas eu ainda tenho uma esperança, a esperança que esteja sonhando e quem em breve acorde ao lado daquela que amo com todo coração, sentindo seu perfume, olhando-a espreguiçar demoradamente e dando-me aquele beijo de bom dia. Pois minha esperança nunca terá fim.

“Esse relato é apenas uma ficção, mas com certeza é insignificante diante da dor daqueles que perderam seus entes queridos. Que Deus dê força a todos para que possam continuar sua vida, que com certeza nunca será a mesma, mas que um dia possam encontrar alívio das suas dores e de seus sofrimentos”.