Um Soltador de Pipas

É uma das lembranças mais antigas que tenho: Estava em férias. Colocava-me no carro, andava alguns quarteirões até a loja e comprava os apetrechos. Ao voltar para casa, subíamos à laje. A linha era medida... "Como faz o cabresto?"... e ele me mostrava. "Não consigo amarrar", dizia eu. A instrução se repetia vez após vez. Continuava não entendendo os procedimentos, mas ele continuava me mostrando. Quando tudo estava pronto, tomava a pipa na mão e saía correndo horizontalmente até a distância aprazível. O ápice da emoção era quando vinha o grito "pode soltar!" e aquele conjunto de papel de ceda, fita e madeira se impunha no ar, como se fora um pássaro a deixar suas asas se estufarem lateralmente com fortes golpes, até que se firmasse no alto. Então ele colocava a linha nas minhas mãos e dizia: "Agora pode brincar a vontade"... Não reparava em como os braços dele ficavam cansados. E eu nem sequer dizia obrigado.

Pai, você foi assim. Comprou-me os apetrechos, preparou-me, ensinou-me (mesmo quando eu recusava aprender), com fortes golpes fez com que essas asas fossem se firmando, fez-me sonhar alto. Às vezes não percebemos a dignidade e a honra dos braços que nos fazem levantar. Da luta e da dor que nos faz sorrir. Pai, te admiro e te honro, ainda que não consiga recompensar à proporção, pois paro para pensar _e veja a assonância!_ pois paro para pensar e reconheço a força, a labuta dos teus braços, o suor do teu rosto, o que te torna espelho e exemplo daquilo a que chamo de um grande homem, não só por grandes vitórias, mas por grandes superações. Pai é mesmo um soltador de pipas... E eu nem sequer dizia: OBRIGADO.

Edmond Conrado de Albuquerque
Enviado por Edmond Conrado de Albuquerque em 18/11/2010
Reeditado em 19/11/2010
Código do texto: T2623756
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