JULHO (homenagem (indesculpável) a 'o caminho do campo')

I

Fugir da urbe (somente no máximo sentido de procurar esquecer sua poluição sonora, visual, enfim, sua poluição) parece ser essencial ao pensar filosófico. Talvez devido ao mimetismo dessa 'obra' (a filosofia) seja exigido que a urbe, metaforicamente adjetivada como poluída, venha a ser parte da mesma, mas, também, que esta saia a algo que possua as características silenciosas e limpas do concreto armado, do arranjo arquitetado das cores, ou de uma agradável rua com árvores margeadas (óbvio: exemplos relativos, em contraste, às poluições sonora e visual).

Em outro sentido (um de seus outros (vários) sentidos é o de fugir à conscência comum), fugir da urbe vem a ser fugir de sua 'rede' de informações - e aqui aparece um problema (exatamente o que torna 'inconveniente' a fuga).

superficializando um pouco mais, chega-se ao notório apego urbano à informação noticiosa, estatística, mastigada, já resolvida, o que, via de regra, amortece (atordoa) o poder de filosofar (entretanto, sempre surgirão 'paredes' a (des)construir: urge, ao movimento filosófico, melhor adaptar-se).

É provável que cada pormenor esteja empregado, intrinsecamente, na manutenção da urbe; inclui-se aqui o cansaço do cotidiano, ao parecer exigir do ócio, conforme suas máximas urbanas, que este realize-se ou no ritmo desenfreado de nossa atualidade, ou, de forma 'diametralmente' oposta, em uma quase total estagnação (é o 'ser ou não ser' a todo o custo) - nota-se que o ser urbano (urbano)é compelido, como parece gostar, a 'escolher' entre caminhos a se escolher para ser algo tecido em uma malha (uma simples satisfação é irmã do conformismo).

O que vem ao caso é a desconsideração do modo de pensar que leva, durante o ócio [non otio sed requiem], a um maior comprometimento com o andar da urbe, ainda que soe paradoxal ou contraditório. Paradoxal, pois o ócio citado acima é um comprometimento com o andar da urbe, é, até, parte de sua realização; contraditório, em caminho oposto, quando o descanso requer atividade, requer 'engajamento' para realizar-se (Nietzsche nos lembra os remédios de Júlio César para curar enxaquecas).

Enfim, filosofar não é pão nem circo, o que pode depor ou contra a filosofia em meio à urbe, ou contra a urbe em meio à 'clareira' do filosofar (estou tentando posicionar-me, mas sempre há mais possibilidades). Se a utilidade continuar engastando-se a todo ente, dando-o sempre um preço (valor econômico) imprescindível, a filosofia, ao admitir-se ou sem finalidade, ou sem fim taxativo (afirmar o fim moral como o fim vulgar por excelência, por exemplo), terá, ao menos espacialmente, reduzido seu campo de atração (ou, ainda, para que possa atuar).

Em contrapartida, não pode a filosofia ater-se a fugir, a esquecer, sem fazê-lo precariamente: o ser urbano, a vivência humana tornam sempre a chamá-la de volta (venha como vier, eis a convocação). Então, paripasso, chegamos a tomar a praxis, o engajamento, a ideologia, como reações filosóficas ao apelo (contrário) da urbe: tendemos a crer em máquinas e em máscaras ao mesmo tempo: há o utilitarismo mecanicista e há também o claro velar metafísico clamando para que a filosofia re-apareça desveladora.

Enquanto põe o desvelar, propõe-se à filosofia o duelo (duo) com a urbe, essa grande protetora do frágil homem? Ou simplesmente reage contra uma proteção que pretende limitar algo ainda (pela filosofia) considerado indeterminado? Será, contudo, um (movimento) contrário?

Mais uma contradição (nossa): ainda é a filosofia de responsabilidade da urbe (pelo modo como esta a chama?), pelo modo como o ser vive (responde), pois, ainda com tudo isso, necessita o ser ter-se encontrado para poder fugir, necessita sentir-se fixo para poder deslocar: é uma 'essência' humana o filosofar (o 'procurar a compreensão do que é precebido' - no caso, neste parágrafo, uma brincadeira com a posição dos pólos indica as variabilidade proposicional encontrada em urbes).

Reassumir a discussão sob o ponto de vista do ser urbano, que pode preferir, por segurança, que tudo soe o mais simples possível, é fazê-lo de forma a contar com conexões gramaticais aptas a descobrir (desvelar), a trazer à tona somente o suficiente, ou seja, o mínimo possível do apreciável, que há de ser material para 'formar' o movimento intelectivo (intelecvivo); é justamente isso que propõe a radicalização da técnica urbana: um não perder-se no tempo com conjecturas, fazer as coisas, sempre, através da experiência adquirida - e somente demonstrá-lo através de consonâncias, nunca dissonâncias (bem, comenta-se que, aqui, a filosofia dá uma de religião).

Então, de forma simples, surge a intuição de que uma análise dos 'manuais' da urbe (podem ser a mídia, o clube, a socialite, et cetera) pode propor uma rápida resposta, um clichê filosófico. Mas filosofar não é escrever para leitores en passant, donde vem que para analisar tais 'manuais' necessita-se uma apreensão, ao menos, da linguagem de tais manuais (do saber de apostilas). Convém dar uma estrutura à urbe em contraposição à insistência desta quanto à filosofia ser excessivamente abstrata. Dessa estruturação surgirá para o afeto da urbe (para o ser urbano) a conveniência em se deter em assuntos filosóficos (vide os filósofos gregos e seus papéis na arquitetura, na guerra - na polis).

Questões: mas isto (o deter-se filosófico) não é, com efeito, um entrave posterior à ciencia, ao desenvolvimento tecnológico? A especialização, que a própria filosofia fez surgir com sua ânsia de descobrir e aplicar, não é corolário deste deter-se? O homem urbano não se torna um excelente técnico justamente devido à necessidade de mover-se (ou seja, 'aquietar'-se) nos moldes exigidos de forma lógica pela própria urbe? Como o filósofo pode entrar em harmonia com a urbe se deve manter, necessariamente, 'outro' local para suas aplicções (ou seja, pode-se, é válido fugir?)? Se a filosofia pretende ter certo cunho historial, como fazê-la ter êxito em uma sociedade que somente vive 'daqui para frente'?

Tais questões, entre outras, apontam para uma diferença quanto ao ritmo. Semelhante diferença é inevitável, pois a filosofia sempre pretendeu ser a 'cura' e, por outro lado, a hipostasia da celeridade está cada vez mais nítida. Mas não pode a cura seguir o ritmo do prognosticado? Ora, enquanto historial, ainda que a atualidade exija-a velocidade, a filosofia possui uma cadência compatível a uma rigorosa análise. Mas, para tanto, o próprio progresso disporá de medidas e técnicas que permitam apresentar os resultados na hora aprazada (fazendo as vezes de oráculo hi-tech). Brincadeiras à (p)arte, a filosofia não vem para tomar ou assumir lugares: vem para representá-los.

II

Não há que se falar em 'tomada' do poder público, seria um revés tal concessão. Cumpre participar como 'democrata', empreender o que for possível no campo de trabalho honesto em vez de assumir uma nova política? Seria o velho entrave (entre aspas) da cultura filosófica - o Estado?

A extrema técnica, que é do que podemos gabar a urbe, de fato ainda não se estabeleceu ALLOVA (ou, talvez, aqui pese a ignorância de um 'pouco viajado'). O que pode explicar isto? Porventura são insuficientes os técnicos (ou os potenciais técnicos, quando se pode afirmar que houve/ há/ haverá falhas no 'sistema educacional'?)? Qual 'sistema político' o 'culpado'? O peculiar exemplo dos EUA no aspecto atual, sob as mais diversas ópticas adotáveis por aí - de eras tecnológicas, do comando de um país técnico (esqueçam as guerras - risadas...) - é um símbolo a ser teoricocriticamente pensado, pois tende-se a comparar os Estados Unidos com a União, querendo acreditar (ou fazer acreditar, o que pode ser pior) que a União precisa investir mais em bens públicos. Mas, lá, a população não depende, diretamente (ou sequer através de simples expectativas), da atuação governamental para consertar o que há de errado com o regular funcionamento (minimamente decente) da instituição Estado.

O principal, lá, foi o rígido princípio do trabalho honesto e a glorificação do bem-estar geral resultante do mesmo, o que incentivou a ascensão da técnica através do mercado - o novo mecenas. Os artesãos: os trabalhadores. Trata-se de um Estado que gasta bilhões por abrigar uma economia que gera trilhões. E, para gerar trilhões, sabemos que, no brasil, há regras que impedem a especulação com o dinheiro público.