O VÉIO DO RIO ( * 1927 + 2012)

Estava bem velhinho mas era briguento com ele só. Brigou pela vida até o último instante, mesmo quando a morte batia à sua porta ele resistiu contra tudo aquilo que vinha contra e não se entregou, apesar de, em muitos momentos, ter uma vontade de desistir e descer do bonde da vida. Era mais marrento que o Romário. Aliás, se dizia Corinthiano mas futebolisticamente, ainda que escondido, era Flamenguista.

Um lutador, órfão desde 11 anos de idade, um cara que tinha tudo para ser mais um trombadinha da vida, fumando crack e cheirando cola pelas esquinas da vida, mas já nesse tempo Deus se fazia presente em sua vida e o conduziu a lares e pessoas que o apoiaram e o ajudaram a formar um caráter inabalável. Um dia, com um pouco mais de 11 anos, pegou um ônibus lá nos cafundós de Minas Gerais e o destino era de Nada a Lugar nenhum, e ele parou bem no meio. Já era noite avançada e ele pulou uma cerca, na beira da estrada e achou um escombro de uma construção e se ajeitou para dormir. Provavelmente, teria uma hipotermia, já que as madrugadas naquela região eram geladas e seu corpo franzino não suportaria o frio, mas ao acordar ele estava coberto por duas vacas, uma de cada lado, totalmente aquecido e se você me disser que não foi a mão de Deus eu vou brigar com você, porque o natural seria que as vacas estivessem deitadas em cima dele e não ao seu lado. Daí ele levantou-se, foi caminhando e encontrou uma família que, simplesmente, o acolheu, deu vestimentas, um trabalho e o ajudou a formar a sua personalidade.

Um dia voltou a Poços de Caldas. Por lá ficou. Era uma época áurea pois a cidade era um centro turístico e nesse tempo ainda existiam cassinos. Foi trabalhar com um farmacêutico e depois foi parar em um hotel. Trabalhou muito, o dinheiro corria solto e nesse período ele só andava com terno de linho. Era enjoado, morava numa pensão, com um quarto só para ele. O tempo transcorreu, o jogo foi proibido e ele voltou aquilo que tinha aprendido com seu pai: cortar pedras. Com o trabalho da marreta cresceu, fortaleceu-se, trabalhou muito e foi parar no Exército, mas, como disse, marrento como era, deixou o Exército e foi parar em Campestre.

Achou uma baixinha, apaixonou-se, casaram-se e tiveram 5 filhos. A primeira, Dagmar, não sobreviveu. Os outros 4 estamos aí: Archimedes, Alvino, Alex e Anderson. O protótipo de marginal, com a marreta na mão e uma esposa do lado, rodou meio Brasil. Só ficou fora o Amazonas e o Mato Grosso. Que eu me lembro, até meus 25 anos ele já havia feito 27 mudanças, mas aqui em São Paulo foi carregador em transportadora, puxador de carrinho no Mercadão, ajudante geral numa metalúrgica, entrou num hotel no centro da cidade e ficou 30 anos, de onde com um esforço imenso e com muita força da velhinha, comprou um terreno 5m x 30m e construiu uma casinha.

Foi ser Zelador numa igreja Presbiteriana onde aposentou-se, mas quando saiu do hotel, apesar dos 30 anos e de ter construído sua casa, literalmente, saiu com uma mão na frente e outra atrás, mesmo tendo jornada diária de 14 a 16 horas. O hotel em que ele trabalhou foi vendido por 6 milhões de dólares e o patrão ficou com toda a multa do Fundo de Garantia, mas o marrento foi em frente. Foi para Minas Gerais.

Um dia ficou doente, a gente não sabia o que era e quando descobriu tinha uma ameba tão grande instalada na medula que só dá para comparar com um casal de solitária (rsrs) no estômago. Mas, brigou e a ameba foi retirada. Ficou diabético, retornou para São Paulo e aqui viveu, apesar da doença anos maravilhosos. Só que não viveu muito a vida dele. Viveu a vida dos netos: Raphael, William, Vinicius, Alan, Lucas, Livia, Gabriel, Isabelle e Bárbara, e por questão de dias não presenciou o bisneto, Caio, que chegará até dia 27 de janeiro. Adotou 4 filhas, que entraram na sua vida, para tomar conta de seus filhos e lhe presentear com os netos. Mas, antes de viver para esses netos, ele vivia para os filhos e filhas. Cada dia, cada pensamento, cada ação era direcionada para eles e a D. Vera, que quando ficava dodói, ele ficava doente por osmose. Uma fase difícil foi quando iniciou a hemodiálise.

Foram 3 anos terríveis, as forças físicas foram esvaindo-se, mas a coragem de enfrentar a vida não. Nesse meio tempo encontrou-se com Jesus e realizou o maior sonho da velhinha, que era ter o companheiro partilhando a mesma fé. Batizou-se, participou da 1ª Ceia do Senhor aos 84 anos de idade, quando suas forças realmente já estavam praticamente o abandonando.

Foi para o hospital num determinado dia e quando todos imaginavam o falecimento eminente, ainda brigou durante 8 dias. E no 7º dia a mamãe disse assim: “Eu vi uma luz no fim do túnel”. E agora eu posso dizer que essa luz era os anjos vindo busca-lo para leva-lo ao seio de Abraão. Partiu. Deixa esposa, 4 filhos, 9 netos e 1 bisneto, dois irmãos Deirce e Londa, que tiveram a felicidade de encontrar parceiros que ajudaram a completar suas vidas: Oscar e Sandra, um monte de sobrinhos, que eu não vou conseguir enumera-los (me perdoem) e um imenso vazio, pois além de tudo, foi pai exemplar, esposo dedicado, avô amoroso, tio carinhoso e irmão, que mesmo à distância, viveu até o fim a vida de seus irmãos.

Este é o véio do rio: meu “paipai”. A gente vai ficar com saudades mas a certeza de que, quando partirmos ou formos arrebatados, vamos estar juntos no Céu, louvando a Deus e agradecendo por esse período que Ele permitiu que você, papai, tomasse conta de nós. Para minha família, só um aviso: agora eu, Curinho, sou o “capi de tutti el capi." "Hasta la vista, baby."

Kidgospel
Enviado por Kidgospel em 14/01/2012
Reeditado em 25/02/2012
Código do texto: T3439782
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