Alguém Trazido pela Escuridão e pelo Mar

Hoje, eu voltava costumeiramente para casa, quando, em um certo ponto, me senti meio que convidada a largar o carro ali mesmo. E o fiz.

A recém chegada noite, o frio suave e o tímido clarão amarelado da iluminação da orla não foram empecilhos para mim. Atravessei a via, pisando com cuidado por trás de um quiosque fechado. Desci três pequenos degraus de madeira e logo, pisando na areia branquinha e fofa, fui chegando pertinho da água. O mar batia forte, as ondas estouravam ruidosamente e eu podia enxergar o branco da espuma em qualquer ponto para onde eu olhasse.

Fechei os olhos, respirei profundamente, abri meus braços e chamei baixinho por Deus. Um longo momento de orações e reflexão começava ali.

Queria chamar a mim mesma, sem pressa. Queria desacelerar. Conectar-me ao universo, por um pouquinho de tempo que fosse.

Sentei na areia úmida e fria...estendi minhas pernas e olhei a minha volta, abrindo o campo de minha visão, pouco a pouco. Aquele trecho da orla é realmente enorme. Abrange dois bairros, somando mais de vinte quilômetros de extensão. E eu não avistava ninguém, a nenhuma distância. Naquele momento, essa sensação foi maravilhosa.

Busquei tudo o que precisava para alimentar minha alma. A beleza do quase monocromático cenário. A brisa fresquinha trazendo as gotículas geladinhas e o cheiro maravilhoso do mar. O som poderoso de seu mágico e dançante movimento.

O céu sem estrelas, uma névoa tão baixa que eu podia quase tocar. Um único barco pesqueiro ao longe, poeticamente iluminado, para pontuar o gigantesco horizonte.

A lembrança de Michael veio muito naturalmente, crescente. E saltou para fora de mim através de lágrimas intensas, entregues.

Ele veio a mim apenas na forma de sua voz. Falada e cantada.

Começaram a emergir inúmeras passagens... flashes que me fizeram experimentar tristeza alegria, identificação, perturbação, arrepio...

Senti meu coração rasgando, ao ouvi-lo dizer que, em longo período de sua juventude, se sentia muito sozinho. Dolorosamente sozinho. E que quando esta solidão fazia a angústia dar lugar ao desespero, saía por alguma rua e perguntava a um transeunte: "Ei, você quer conversar comigo?".

Pensei sobre as minhas próprias angústias. As que ando enfrentando, que afetam meu sono, minha crença no ser humano, e que, invariavelmente, me colocam algemas.

E só o que sei é que enquanto houver uma gota de amor dentro de mim, uma gota de rebeldia, vou tentar arrebentar essas algemas, que insistem em me prender e conduzir pra um lugar escuro, dramático e muito sombrio, onde estive por longa temporada. Um lugar que conheço bem.

Sempre me compadeço de quem abre a porta deste lugar e ali permanece. Onde a palavra "vontade" não tem nenhum significado.

Pensei nas muitas vezes em que eu gostaria de ter podido ajudar, nem que com um simples e caloroso abraço, qualquer pessoa deste mundo que viva uma dor assim. Como Michael viveu e tantos milhares vivem. Eu entre eles. Graças a tantos esforços meus, com a ajuda de Deus, sou capaz de ajudar a muitas pessoas, hoje em dia.

O chegar perto, o estender a mão, se mostrar disponível, tem uma força enorme, se todos pudessem fazer ideia...

Enquanto eu falava comigo mesma e com ele, senti tanta... tanta pena por tomar conhecimento de tantos dramas, momentos realmente difíceis de atravessar, em cujos roteiros não tenho o menor poder de mudar a escrita. Com a consciência de que, por mais que eu pesquise há alguns anos, por meios diversos, ainda assim... tudo será apenas pedacinho sobre outro pedacinho da sua vida. Uma história de vida tem muitas facetas, muitas somas e subtrações, muitas fórmulas. A complexidade vivida não é nunca conhecida ou bem compreendida por outros, a não ser que exista aquele componente, raro de encontrar : boa vontade.

Lembrei de uma imagem, que significa muito pra mim. A dos irmãos no palco naquele 7 de julho, seu Memorial. Um breve momento. Era a vez da fala de Marlon. No meio de tudo, disse : "Nós nunca vamos entender o que ele suportou." E Jackie, que tinha a mão calçada de luva em seu ombro, abaixou a cabeça e caiu no choro.

Tenho certeza que quem pensar com uma dose maior de carinho e cuidado, vai entender o que aquela cena disse sobre elo, sobre ligação, sobre o que está acima das palavras e do tempo. Da notoriedade e do brilho do ouro.

Nas entrelinhas de meus flashes de Michael falando, surgiu sua voz cantando Someone in the Dark... eu chorava e pensava no que eu ouvia...e no muito sentido que fazia com o que acontecia ali, no melhor templo de Deus do mundo.

Eu estava literalmente só, envolvida por toda a energia sagrada da natureza...abraçada por esses elementos, pelo meu Pai maior, pela graça de poder estar neste mundo na mesma época de Michael Jackson.

E por poder elevar minha voz ao céu, agradecendo por amar este ser humano que só vi pessoalmente uma vez, mas que por razões várias sinto muito próximo, muito presente. Por reconhecer que esta qualidade de amor é a mesma que experimento por meus filhos.

Há três canções que eu não consigo mais ouvir.

Someone in the Dark está entre elas, mas ela veio.

O vento do mar a trouxe... e eu me peguei perguntando :

"Por que logo esta, Michael? Meu Deus, tudo bem.. estou aqui com meu amor pulsando, e vai ser assim até meu último suspiro... quem sabe, além.

Só há um lugar onde eu encontro você, verdadeiramente. É na minha saudade."

"Luz que lhe mantém aquecido quando o vento noturno sopra

Como se estivesse escrito nas estrelas, eu sabia

Meu amigo, alguém na escuridão era você

Prometa-me que estaremos eternamente

Andando pelo mundo juntos

Mãos dadas onde sonhos nunca terminam

Onde quer que você esteja

Vou olhar para cima e ver

Alguém na escuridão por mim"