Carta à Mãe África
É preciso ter pés firmes no chão
Sentir a força vinda do céu, a missão.
Do seio da Mãe África e do coração
É hora de escrever entre a razão e a emoção...
Mãe, aqui crescemos subnutridos de amor
A distancia de ti, o doloroso chicote do feitor
Nos tornou algo nunca imaginável, imprevisível
E isso nos trouxe um desconforto horrível
As trancas, as correntes, a prisão do corpo outrora
Evoluíram pra prisão da mente agora
Ser preto é moda, concorda? Mas só visual...
Continua caso raro ascensão social
Tudo igual, só que de maneira diferente
A trapaça mudou de cara segue impunemente
As senzalas são antessalas das delegacias
Corredores lotados por seus filhos e filhas
Verdadeiras ilhas, grandes naufrágios
A falsa abolição fez altos estragos
Fez acreditarem em racismo ao contrário
Num cenário de estações rumo ao calvário
Heróis brancos destruidores de Quilombos
Usurpadores de sonhos seguem reinando
Mesmo separado de ti pelo Atlântico
Minha trilha são seus românticos cânticos
Mãe... Me imagino arrancado dos seus braços
Que nãome viu nascer nem meus primeiros passos
O esboço é o que tenho na mente do seu rosto
Por aqui de ti falam muito pouco
E penso qual foi o erro cometido?
Por que fizeram com agente isso?
O plano fica claro é o nosso sumiço
O que querem os partidários, visionários disso?
Eis a questão a maioria da população
Tem guetofobia anomalia sem vacinação
E o pior a triste constatação
Muitos irmãos patrocinam o vilão
De várias formas oportunistas sem perceber
Pelo alimento, fome e sede de poder
E o que menos querem ser e parecer
Alguém que lembre no visual você... por que?
{A carne mais barata do mercado é a negra}
{A carne mais marcada pelo Estado é a negra}
Os tiros ouvidos aqui vêm de todos os lados
Mas não se pode seguir agachado
É por instinto que levanto sangue banto e nagô
Em meio ao bombardeio ainda reconheço quem sou
E vou mesmo ferido ao front ao combate
Em meio a fumaça sigo sem nenhum disfarce
Pois minha face delata ao mundo o que quero
Voltar pra África viver meus dias sem terno
Eterno, é o tempo atual na moral no mural
Vendem uma democracia racial
E os negros? Os afrodescendentes
Passaram a ser obedientes, afroconveniente
Nos jornais entrevistas as revistas
Alguns de nós quando expõe seus pontos de vista
Tentam serem pacíficos, cordiais, amorosos
E eu penso como os dias têm sido dolorosos
E rancorosos, maldosos muitos são
Quando falamos numa mínima reparação
Ações afirmativas, inclusões, cotas?
O opressor ameaça recalcar as botas
Nos mergulharam numa grande confusão
Racismo não existe e sim uma social exclusão
Mas sei fazer bem a diferenciação
Sofro pela cor, pelo patrão e o padrão
E a miscigenação tema polemico no gueto
Relação do branco com índio com preto
Fator que atrasou ainda mais a autoestima
Tem o cabelo liso, mas olha o nariz da menina
O espelho na favela após a novela é o divã
Onde os parceiros sonham em serem galãs
Onde as garotas viajam querem ser atriz invés de meretriz
Onde a lágrima rola como num chafariz
Quem diz que esse povo foi um dia unido?
E que um plano o trouxe pra um lugar desconhecido
Hoje amado “ah muito amado”, são mais de 500 anos
Recriando nossos laços reescrevendo nossos sonhos
Mãe sou fruto do seu sangue das suas entranhas
O sistema me marcou, mas não me arrebanha
O predador errou quando pensou que o amor estanca
Amo e sou amado por uma mãe branca