QUARTO 2109:

Quarto 2109:

A dor forte no peito, a angustia do momento vivido; tudo surpreendia, embora já fosse o terceiro infarto, mas aquela noite tudo seria diferente.

Primeiro a entrada na emergência, os primeiros procedimentos, a tensão pelo ocorrido, o vai e vem de médicos e auxiliares da equipe eficiente e providencial; todos ali naquele hospital pareciam funcionar de forma integrada e passavam confiança aos que se encontravam naquele momento em suas mãos. Com certeza a rotina da lida os habilitava para a função de salvar que exerciam aliando conhecimentos com humanidade.

Eu e minha irmã querida chegáramos ali naquele inicio de noite por motivos que não vem ao caso ser divulgado, eu estava mais preocupado com ela do que comigo mesmo, pois ela portadora de diabetes e portadora de três pontes de safena, na minha visão precisava de maiores cuidados do que eu.

Fomos atendidos com presteza e após algumas horas ela foi dispensada sem maiores cuidados e eu fiquei internado na emergência aguardando decisões medicas e só três dias depois de fazer um cateterismo fui transferido para o quarto 2109, quarto este motivo do que escrevo, pois ali naquele ambiente de hospital onde ficamos totalmente entregues nas mãos de médicos e enfermeiros e seus auxiliares é que pude perceber toda a fragilidade do ser humano e ao mesmo tempo a grandeza e desprendimento de alguns, sejam eles os cuidadores ou os próprios pacientes com suas particularidades, conflitos, medos e esperança, dependendo da gravidade de cada caso, nota-se se formos bons observadores a assimilação de cada individuo a lidar com as dores que lhes afligem cada um a sua maneira.

O Felipão de São Jose do Norte; o conhecera ainda na emergência, pessoa simples, mas expressiva em sua singularidade, alto, forte, denotando em seu porte um homem das lidas da terra, o que a posteriori confirmei a descoberta da semelhança com o técnico da seleção deu-se num daqueles momentos de descontração que se vive numa unidade hospitalar nos momentos do relaxamento das tensões, meu companheiro ao lado do meu leito estava sempre, não sei se por nervosismo ou por característica de personalidade; o que constatei depois que fomos transferidos para o mesmo quarto e tivemos uma convivência maior, estava sempre a pilheriar de todos e tudo, mas sempre com bom humor e respeito; mas desta feita fui eu mesmo que percebi a semelhança com o Felipão em nosso depois amigo comum e a partir dai passou a ser motivo de brincadeiras entre todos os que conviveram conosco naquele ambiente do hospital de cardiologia da santa casa de rio grande.

Dona Maria assim vou chama-la, declinando o nome verdadeiro, pois não gostaria nesse meu breve relato de constranger ninguém embora estes fatos sejam inocentes e verdadeiros, simples expressão do ocorrido nas unidades hospitalares e que convivemos, podendo no máximo ser considerados pitorescos e em algumas vezes hilários.

Dona Maria, é diabética, mas não prima muito pela coerência e sempre que lhe era verificada a glicemia não se dava conta que a medição era alta simplesmente porque passava as madrugadas a comer escondida, pois embora na emergência, como era do interior da região de Bagé, trazia uma grande parafernália de malas e apetrejos e no meio disso tudo uma contidade razoável de alimentos dos quais fazia uso sistematicamente madrugada a fora; não sei se os funcionários do hospital iriam perceber o desproposito mais tarde, mas as atitudes de dona Maria embora sendo uma senhora simpática poderia colocar a sua saúde em risco grave, por sorte ela foi logo transferida para o quarto em outra unidade do andar superior e espero sinceramente que tenham descoberto a sua perigosa glutonice; pois estive a ponto de falar para os enfermeiros das suas atitudes em favor da própria segurança da senhora citada.

Enfim na sexta feira à noite eu, Felipão e o companheiro da outra cama fomos transferidos para o andar superior e ficamos alojados os três no mesmo quarto tendo por companheiro um jovem senhor que iria fazer ponte de safena, estava acompanhado de sua esposa dedicada. O vendedor, assim vou me referir a ele; meu amigo já da emergência e Felipão já estávamos entrosados na rotina do hospital e parecia que éramos amigos de anos de convivência.

No hospital as noites são longas, intermináveis, o caminhar nos corredores, uma porta que bate o gemido ou o simples ronco dos companheiros de quarto, o entrar e acender das luzes repentinamente quando da administração dos remédios noturnos; tudo isso deixa o dormir difícil e entrecortado. Quem já viveu estas situações sabe do que falo.

Mas nem tudo são dissabores, e quando fazemos dos acontecimentos por piores que sejam motivo de aprendizado e aproveitamos cada fato para analisarmos a nossa desdita comparando-as com de outras pessoas que estão em situação pior que a nossa, é fácil e suportável passarmos por tudo isso.

O meu amigo vendedor, de nos parecia estar em melhor estado, pessoa afável e alegre, pela primeira vez vivia aquela situação aos cinquenta e sete anos nunca houvera adentrado um hospital a não ser para visitas a amigos ou parentes, sempre gozara de boa saúde, religioso não fumava já há vinte anos e não bebia, seu único vicio como ele dizia era comer churrascos ao fim de semana com a família e amigos; assim nos relatara. Já Felipão era um homem de sessenta e seis anos e também sem vícios, mas levando uma vida dura de trabalho como plantador de cebola lá no interior de São Jose do Norte e nas safras de peixe e camarão pescava para sustentar a grande e simpática família que não saia de sua volta numa atitude comovente que só os simples podem nos proporcionar nestas horas.

Dos três eu era o mais velho e com experiência de internações bem maiores, por varias vezes já passara por situações similares e mesmo ficando tenso nestas horas controlava minha ansiedade crônica também com bom humor e muita confiança, não sei dizer se nos milagres da vida, em protetores invisíveis dos quais sempre sinto a presença em situações criticas, mesmo que não me atenha aos mistérios religiosos e filosóficos; sou na realidade uma pessoa que non creio em bruxas, mas que las as las as; e no meu caso creio que são sempre bruxas boas e benfeitoras ou quiçá anjos ou espíritos do bem; ou ainda almas dos que já se foram para planos melhores e hoje trabalham anonimamente em nosso beneficio e proteção. Não Sei?

E assim nesse breve relato, desabafei sobre os sete dias em que tive internado; sai vivo um pouco quebrado, pois o coração com certeza colorado, vermelho, isso constatei na ecografia o que me deixou contente, precisa só de tranquilidade e paz para poder continuar amando as pessoas que devem ser amadas e cuidadas, esperando que os medicamentos que são muitos façam o efeito desejado até o fim dos meus dias, pois soluções mecânicas não serão mais usadas o que de certa forma me tranquiliza; medos não tenho do amanhã, apreensões sim; com certeza; mas tenho a minha consciência em paz, pois todo que posso fazer faço na medida das minhas forças e capacidades a pessoa que amo muito e que no momento interagimos um a cuidar do outro com todo carinho possível.

Aproveito para agradecer a toda à equipe do Hospital Santa Casa de Cardiologia da cidade de Rio Grande- rs. referencia no atendimento de alta qualidade no meio de tanto caos na saúde do nosso Pais.

Agradeço aos meus novos amigos pelos momentos de ajuda mutua num momento difícil que atravessamos com dignidade e esperança em dias melhores,

Agradeço a minha prima que ficou comigo na emergência enquanto me recuperava do cateterismo, agradeço a nossa amiga especial que esta sempre do nosso lado nas horas difíceis; do meu e da minha querida irmã, a minha outra irmã e cunhado, aos que me visitaram mesmo que pelo basculante do hospital e a todos que mesmo de longe tiveram o carinho de pensar em mim, aquele que telefonaram para saber de mim.

E porventura se alguém rezou por mim também agradeço com muito carinho.

Obs.: não cito nomes neste relato, pois o farei publico e sendo assim não constrangerei ninguém e aqueles que foram citados certamente se identificaram caso o leiam.

Valmir Bittencourt (valmirolino).

valmirolino
Enviado por valmirolino em 24/11/2013
Reeditado em 25/11/2013
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