Professora Célia, 1966.

_ Crianças, este é o novo coleguinha , José Luiz, que veio transferido de outra escola, vamos recebê-lo bem.

_ A sua carteira é aquela, a terceira da fila do meio.

A carteira vazia já me aguardava, a Dna Célia já havia providenciado um espaço no coração da sala, bem no meio, pois certamente não sabia se eu era alto ou baixo para a minha idade. Era do tamanho médio, então o lugar estava ótimo.

A minha mãe havia conseguido a vaga a duras penas, pois o ano letivo estava iniciado, e ela teve que ser convincente o bastante para aceitarem um novo aluno.

Quando chegou a casa , me disse; " Pepito, eu jurei que você era comportado, e não lhes daria trabalho algum, essa foi uma condição imposta pela diretora, caso contrário não te pegariam , portanto não me decepcione ".

Naquele primeiro dia a professora Célia , que era muito ativa e enérgica, não permitia um "pio", e todos pareciam ter muito respeito por ela. Já ao final da aula, começou a passar a tarefa de casa no quadro, ou melhor , nos quadros , porque na lateral também havia uma grande lousa verde, que pegava de ponta a ponta, e não parava mais de escrever, numa velocidade incrível, ía enchendo o espaços à giz, e quando parecia ter acabado, apagava o início, e mandava mais e mais...e eu mal conseguia copiar tudo, até que me perdi , e acabei anotando parte da lição. Pensei; " Meu Deus, estou frito, preciso acelerar mais nos próximos dias, e como fazer tanta lição, acho que não terei tempo nem para jogar bola daqui pra frente ".

Na manhã seguinte, eu estava preocupado, pois fizera só o tanto que anotara, então quando a Dna Célia passou pelo meu caderno, ela me deu bronca ; " Pôxa , logo no primeiro dia você me faz a lição pela metade , belo começo o seu, heim , mais um preguiçoso" ! Abaixei a cabeça envergonhado, quando a menina que se sentava ao meu lado, uma sarará chamada Aparecida , me socorreu e lhe disse ; " Dna Célia, eu vi, ele não conseguiu anotar , a senhora apagou a lousa muito depressa e ele se perdeu". Então ela me olhou firme e disse com mais calma, " Escreverei mais devagar hoje, e se não conseguir anotar me avise, entendeu " ? Sorri para a coleguinha em sinal de agradecimento.

Essa professora era do tipo durona, mas era muito justa e ensinava bem , e tudo, todas as matérias, eu entendia o que ela ensinava , as minhas notas eram boas. Fazia sempre as lições, o que não era comum para mim, e os meus pais se surpreendiam comigo. Eu confiava naquela professora, como nunca havia confiado em outra , gostava do seu jeito, e percebia o grande empenho que ela tinha de ensinar e passar os alunos, era uma meta ,de não deixar ninguém pelo caminho.

Às vezes me chamava à lousa para resolver os problemas na correção da lição de casa, e certa vez , me lembro bem, num problema enorme de equação, comecei a fazer as contas do meu jeito, e a classe chiou,dizendo que estava errado, mas ela os interrompeu, e me disse para ir até o final , e para surpresa de todos, o resultado estava certo, então ela se virou para a turma, e disse; " Não importa como a pessoa entende o problema, o importante é o raciocínio que o levará a resposta certa, não existem apenas fórmulas, entendam isso ".

Quando chegou o final do ano, ela conseguira passar a todos os alunos, e estava muito feliz, e fez um lindo discurso, emocionado de agradecimento, muito orgulhosa pelo desempenho da classe, pois pela primeira vez havia conseguido passar a todos, em quase dez anos de magistério.

Dna Célia chamou as duas melhores alunas, Noêmia e Izildinha, e as presenteou com uma medalha e um prêmio, e nós aplaudimos, e depois disse que alguém a havia surpreendido muito pela dedicação , e que considerava um aluno exemplar, e me chamou à frente, me dando um lindo livro chamado " Robinson Crusoé", que todos conhecem, aquele do náufrago e do nativo sexta-feira , e me abraçou forte.

A minha mãe quase nunca ía as reuniões de pais e mestres, ela tinha problemas depressivos, e de certa forma a Dna Célia devia saber, e via que apesar de tudo não havia negligência , eu nunca faltara as aulas, a minha roupa estava sempre limpa e passada, as unhas cortadas e as orelhas em ordem, coisas que demonstrava o cuidado com a higiene.

Aquele abraço significou uma tradução do seu entendimento para os problemas que passavamos em casa, e que ela parecia saber, e que por algum motivo eu demonstrava uma grande vontade de aprender e muito empenho, não me abatia apesar da pouca idade.

Se a Dna Célia estiver viva , deve ter mais de oitenta anos, mas no meu coração ela continuará sempre com trinta e três.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 23/05/2015
Reeditado em 23/05/2015
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