A MORTE

Vá em Paz, MEU PAI

De nome Zé, segundo filho de seis, cedo mostrou a que veio, com seus hábitos, que perdurariam por toda a vida, de ter os olhos sempre voltados para as boas ações para com seus semelhantes.

Cresceu o menino, livre, de alma pura, mas inquieto pela percepção de sua ignorância infantil, que o impulsionou à busca pelo conhecimento, de viver no convívio com pessoas de todas os níveis desde os mais simples (estes levava pra casa) até os mais letrados. Não havia distinção.

Quando homem, seu profundo espírito de boa pessoa fez ressaltar, além de muitos outros, o dom de contar histórias... Não havia reunião em família ou comemoração em que seus "causos" não fossem o desfecho... Em que suas palavras não acalentassem o coração de seus irmãos, filhos, sobrinhos e amigos.

Mediador, seus conselhos sempre foram a palavra final a qualquer um que gravitasse à sua volta. Mas sua fascinação maior era a busca pela felicidade dos que mais julgava infelizes. Inventava, aos minguados de sabedoria, histórias mirabolantes e fazia a imaginação destes aflorar. Lembro-me, como hoje, do casamento imaginário do Nico (um de seus protegidos) Vestiu-o de terno de casimira (tecido nobre da época) com um cravo na lapela e o fez direcionar a cidade mais próxima para o casamento com a noiva também inventada que o coitado só conhecia de ouvir falar, imaginava-a linda com vestido branco e buquê de flores de laranjeira (era como meu pai a descrevia) foram no Cartório que na verdade meu pai iria passar uma escritura... claro a noiva não apareceu, de sorte este acabou casando a sua parte, deixando a parte da noiva para data posterior. Rsrsr.

Assim vivia meu pai, aos que o rodeavam proporcionava as mais loucas aventuras.

Augusta tinha duas filhas inventadas por meu pai de nome Cacilda e Carola. Duas meninas mimadas e ardidas com a voz estridente que meu pai imitava, chegando a doer os tímpanos da pobre coitada. Caetano ganhou um cavalo piolhento que ele teimava curar com poções receitadas pelo meu pai. Misturava diversas ervas e limão e vivia a passar no lombo do cavalo.

Fazia o mundo das pessoas um conto de magia, vivia rodeado delas, o "trevo do asilo" que o diga, lá ficava horas do dia sobre uma grande árvore dizendo que o sol nasceu pra todos, mas, a sombra daquela arvore era aos selecionados por Deus.

A família era sua maior riqueza. Os filhos podiam tudo. Éramos sete troféus que ele guardava e protegia de todo e qualquer mal que por ventura pudesse afligir. Que nunca tocassem em nenhum dos seus, pois seus instintos comandariam suas ações, e aflorariam os impulsos naturais mais profundos.

Nos idos anos de 1960 meu irmão, com pouco mais de seis anos, pisou na grama da praça e foi molestado pelo guarda que lhe deu um tapinha na cabeça, sua mão ficou no ar e cinco de seus dentes ficaram na grama.

Meu pai era 100% proteção.

Proteger era sua missão, seu objetivo era mostrar a verdade, o segredo da vida, o caminho para felicidade...

Meu pai, meu professor, minha referência, estou sem você agora, sem chão, sem caminho...

Mas você, meu pai, já disseminou por demais sua sabedoria a esse mundo pequeno e medíocre.

Vá em paz, meu pai... Já cumpriu, como nenhum outro, digna e grandemente sua missão.

Mariana Quintanilha
Enviado por Mariana Quintanilha em 14/01/2016
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