A Gullar (Florilégio)
Meu poema é um tumulto:
a parte mais efêmera de mim
No limite entre o texto e a margem branca
A cada nova manhã
nas janelas, nas esquinas nas manchetes dos jornais
Mas que sentido tem tecer palavras e palavras
O poema é uma coisa que não tem nada dentro
Um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
Mas o que ele diz excede à ordem do falar.
Um inseto é mais complexo que um poema
Indiferente ao suposto prestígio literário
ou o que seja aquele intrincado labirinto de caules e cálices
os canteiros de crista-de-galo.
Parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor
Assim de muito perto
esse aroma rude é um oculto fogo verde
(quase fedor)
que me faz olhar Andrômeda, Sírius, Mercúrio
e me sentir misturado
a toda essa massa de hidrogênio e hélio
que se desintegra e reintegra
sem se saber pra quê.
A vida, apenas se sonha que é plena, bela ou o que for.
Onde começo, onde acabo
Só agora sei que existe a eternidade:
Acende-se um clarão um rastilho de tardes e açúcares
Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade
Ter medo da morte é coisa dos vivos
Verdade é que cada um morre de sua própria morte
em alguma parte alguma da vida
O que o poeta faz mais do que mencioná-la.
Por isso finge que não a pressente.
"um dia não mais estarei presente à festa da vida ".