A Gullar (Florilégio)

Meu poema é um tumulto:

a parte mais efêmera de mim

No limite entre o texto e a margem branca

A cada nova manhã 

nas janelas, nas esquinas nas manchetes dos jornais

Mas que sentido tem tecer palavras e palavras

O poema é uma coisa que não tem nada dentro

Um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas

Mas o que ele diz excede à ordem do falar.

Um inseto é mais complexo que um poema

Indiferente ao suposto prestígio literário

ou o que seja aquele intrincado labirinto de caules e cálices

os canteiros de crista-de-galo.

Parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor 

Assim de muito perto

esse aroma rude é um oculto fogo verde

(quase fedor)

que me faz olhar Andrômeda, Sírius, Mercúrio 

e me sentir misturado 

a toda essa massa de hidrogênio e hélio 

que se desintegra e reintegra

sem se saber pra quê.

A vida, apenas se sonha que é plena, bela ou o que for.

Onde começo, onde acabo

Só agora sei que existe a eternidade:

Acende-se um clarão um rastilho de tardes e açúcares

Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade

Ter medo da morte é coisa dos vivos

Verdade é que cada um morre de sua própria morte

em alguma parte alguma da vida

O que o poeta faz mais do que mencioná-la.

Por isso finge que não a pressente.

"um dia não mais estarei presente à festa da vida ".

Versos de vários poemas de Ferreira Gullar
Enviado por Paulino Pereira Lima em 15/12/2016
Código do texto: T5854404
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