Onde soltei sua mão

Lá estava eu em cima de um pé de Pitomba junto com você. Meu irmão amado.

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Cúmplice de tantas brincadeiras...de carreiras por dentro do mato, de subir na caixa d'água, tomar banho de mangueira.

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Lembranças maravilhosas. Meu herói. Tantas vezes levou palmadas por não tomar conta de mim, que era mais nova. E me deixou cair.

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Subir nas árvores e deixar só caroços pendurados.

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Lembro dos seus olhos assustados quando subi em uns tonéis levantando a blusa pra aparar as pitombas e todas se espalharam. Eu, os tonéis e as pitombas, rolando rua abaixo, e você em cima da árvore com os olhos arregalados de quem não cuidou de mim. Coitado!

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Oh que lembrança boa! Apesar dos arranhões. E dos puxões de orelhas que lhe esperaram em casa, sem comiseração.

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Não é a toa que hoje você se sente seguro quando estou por perto. É como um espelho das nossas aventuras.

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Hoje desculpem-me todos, quebrei a quarentena. Leve-o a praia, com seus passos lentos, suas mãos trêmulas. Suas frases incompletas...nem acredito que de uma hora pra outra você foi desaparecendo.

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Quem sabe aquela criança tão traquina quis voltar. Não aquela animada de antes. Uma temerosa que nem sabe mais falar.

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Tem medo de sair e se sustenta em mim para não cair. Bom que hoje não tem mais meus pais para punir se eu deixá-lo cair.

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Meu querido irmão, meu suporte de tantas horas. Hoje seu suporte está na mão. Meu amor. O mesmo de antes. Que não se importa com nenhum arranhão.

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Sem pitombeiras, nem mangueiras, sem pernas finas corredeiras. Muito apreensiva, pois talvez seja ele. O alemão. Aquele desvairado que quando chega acaba com todas as brincadeiras.

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Que o Alzheimer não lhe pegue! Como pegou nossa mãe.

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Que possamos correr. Fugir dele tão rápido quanto quando corriamos daquela mulher macho, quando tirávamos suas castanhas.

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Que possamos deixá-lo na poeira e seguir avante, como antes. Lado a lado.

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E se formos alcançados, que você saiba que estou aqui. Para guia-lo nessas novas arvores. Sem nunca deixá-lo cair.

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Vamos tocar o barco. Deus esteja nos guiando como sempre. Perito em levar a cabo tudo o que chega de supetão, para que fiquemos assustados.

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Segure forte a minha mão!

#Alzheimer

#amorincondicional

Diana Limeira
Enviado por Diana Limeira em 29/07/2020
Código do texto: T7020570
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