Falar de Clarice Lispector

Falar de Clarice Lispector

Deixei-me mergulhar na extraordinária rudeza de honestidade de Clarice Lispector.

Coloquei meus olhos nos seus escritos, como nunca havia me empenhado.

Olhá-la de frente, encarando-a, de alma para alma, como Jung sugere, encontrei a mulher artista a partir de vários ângulo, na cética, na fatalista, na derrotista, na

presa em si mesma.

Naquela que expressou o mais profundo de si, sem delongas, direta.

Sem prejuízo portar tanta verdade de olhar, tanta arte de trazer tudo numa beleza bruta, dum feminino enfurecido de conclusões, análises delicadas da alma humana, escritas que levam o leitor a terras infrutíferas, invencíveis, esquecidas por muitos. Não para Clarice.

Raras vezes foi pega sorrindo. Contudo, de uma postura incansável, que soava à indiferença, desenhou os subjetivos das almas dos seu tempo, que neste hoje se replicam aos montes.

Nunca, ninguém na modernidade brasileira, a não ser ela, expressou tão bem as ações do bobo.

Curvei-me para ouví-la melhor, quando numa conduta de vencida, manifestou seu limite em um de seus poemas :

"Eu nunca fui livre na vida inteira, por dentro eu sempre me persegui, me tornei intolerável para mim mesma, vivo numa dualidade dilacerante, eu tenho uma aparente liberdade, mas estou presa dentro de mim, eu queria uma liberdade olímpica..."

Neste ponto, encontrei o limite de eu e ela. De lá, algo definido no fragmento, livre, sem se livrar, aberta, liberta e consciente da liberdade, sem o como para a ação.

Cá, como que arrastando o cordão umbilical pelo umbigo, ainda suja dos restos da placenta, mas dominada por uma liberdade que me encantou, que de tanto, mesmo arrastando um corpo físico semovente, vivo a sensação de ter sido recentemente parida.

Tudo é novo, tudo me entusiasma. Tornei-me volátil, instável fora, dentro, uma fazedora de travessuras, dentro de um drama, que não se cabe de tanto bastar.

Olhando nos olhos de Clarice Lispector, em sua face ausente de sorriso, sabendo de sua grandeza, é como ficar num aguardo de que a qualquer momento ela encontre o sentido de todas as incongruências e incompletudes, e vá comigo para o entoar da gargalhada triunfal, aquela que nunca tinha manifesto.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 25/11/2021
Código do texto: T7393481
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