Maria Joaquina Bargas Perez, a eterna professora

Exemplo de vida.

Maria Joaquina Vargas Perez, a eterna professora

Minha avó foi a pessoa mais incrível que conheci. Além e acima de seu tempo.

Sua vida foi orientada por regras que ditava para si mesma. Regras morais, às quais seguia fielmente. Também regras de independência e liberdade, que não excluíram meu avô de sua vida.

Jamais a vimos mentir ou maldizer. Casada com o primo, Juan Antonio, ela e meu avô vieram da colônia, no interior (São João da Boa Vista), para São Paulo.

De início, fez um curso de arte culinária e outro para ensiná-la. A menina que casara sem saber fritar sequer um ovo percebeu cedo que não seria esta a sua praia.

Aprendeu então corte e costura e fez outro curso, destinada a lecionar a arte de costurar . Montou uma escola, que batizou com o nome do filho caçula (Darwin) e lecionou toda a vida, em três turnos, reservando-se as sextas-feiras para emendá-las aos sábados e domingos. Houveram festas de formatura magistrais. Foi essa decisão que lhe garantiu sua independência financeira.

Em decorrência dessa independência, conseguiu autonomia, para dirigir sua própria vida, conhecer muitas pessoas e ser conhecida. É fato que batizaram mais de cem crianças, mesmo irmãos.

Com o passar do tempo, aprendeu a ler, falar e escrever em várias línguas.

Ajudou muita gente, com o afluxo de imigrantes de várias nacionalidades, tornando-se pessoa de destaque no bairro. Tenho fotos de aniversário onde sou a única criança, onde políticos promoviam-se, amparados no bem-fazer dos cidadãos comuns. Até o Jânio está entre elas.

Aliás, ela era ademarista, meu avô, janista. E os dois promoviam seus políticos.

Entretanto, a lição mais importante foi a de que a liberdade é uma conquista diária, impossível sem a independência financeira; de que é preciso ser humilde, para que sejamos respeitados, e de que nada disso pode nos servir se não mantivermos uma postura digna.

Nunca a soube religiosa. Não frequentava igrejas, respeitava, entretanto, a todas e a seus seguidores. Existia, no seu íntimo, uma religiosidade intrínseca. Pelas manhãs, ao acordar, abria a porta dos fundos e, olhando o nascente, recitava uma oração - a única que já a vi rezar:

"Librame, Dios

De mis malos pensamientos

De mi para con losotros

Y de losotros para conmigo.

Librame, Dios

De mis malas palabras

De mi para con losotros

Y de losotros para conmigo.

Y librame, Dios

De mis malas acciones

De mi para con losotros

Y de losotros para conmigo.

En nombre del padre,

Del hijo

Y del espirito santo

Amén."

Persignava-se, primeiramente na testa, após, na boca, e depois, no coração. Finalmente, fazia o tradicional sinal da cruz.

Absolutamente, não foi a oração que a tornou a pessoa independente, batalhadora, grandiosa. Mas sua determinação.Talvez a oração diária, pronunciada com graça e fé, desse-lhe apenas o norte, uma vez que tinha uma personalidade única e vontade inquebrantável.

Uma postura digna diante da vida, para que sejamos respeitados também por nós mesmos.

Vovó Quina e vovô Perez: sou muitíssimo grata a vocês e dignificada por ser sua neta.

Maria da Glória Perez Delgado Sanches

Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.

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