Filho

No quadro metálico pendurado na parede havia, no canto superior esquerdo, a foto de toda a turma na viagem de formatura; ao lado, os gráficos e as estatísticas de sua atuação no vestibular. Dispostos simetricamente, por todo o quadro, o certificado de alistamento militar recém adquirido, outra foto com amigos em viagem e o ticket da passagem do avião, tudo colado com ímãs sempre dispostos nos quatro cantos dos documentos. Tudo perfeito, tudo arrumado.

Sentado, fazendo as tarefas (desta vez era literatura), olhou de relance para o quadro e riu, divertido, das observações que eu lhe fazia sobre a perfeita simetria da disposição. E lembrei-me de um outro dia, enquanto ele falava sobre estatísticas e eu mal o escutava - quando reparei em seus bíceps já claramente moldados pela academia, ao mesmo tempo em que me vinha à mente a imagem que vou levar para o túmulo: ele de macacão atoalhado e fraldas, gorducho e rosado, rindo para mim e deitando para o lado sua cabecinha luminosa de cabelinhos claros e encaracolados.

Enquanto massageio suas costas procuro, em vão, a metade que me cabe naquele poço de testosterona responsável e focado, persistente e organizado; naquele pequeno homem que me dá homéricas broncas quando faço algo errado no trânsito (prometi a ele não levar nenhuma multa o ano passado, e cumpri; este ano, porém, já estou na segunda). Tento encontrar-me, pouco que seja, no moleque que fala cabeludos palavrões ao telefone com amigos, mas torce o nariz quando os ouve de minha boca. Vasculho, sem achar, o que há de meu no garoto que vi abraçado à namorada e que me ligou duas vezes, após a meia-noite, para saber onde estava e se ia demorar a chegar, constrangendo um pouco meu acompanhante e fazendo-me sentir uma Cinderela quarentona; o mesmo garoto que nunca me liga quando saio com amigas.

Sou sempre eu que começo a guerra de caroços de melancia, de gelinho nas costas ou de água na cara, mas ele nunca deixa de me acompanhar, revidando. Escorregadio e ligeiro, nunca consigo pegá-lo. E quando tranco a passagem cobrando pedágio de beijos, ele, maleável, dá um jeito de escapar ileso - ou, quando não, resigna-se com beijos molengas. Seria uma mostra de boa vontade genética ou apenas uma volta à adolescência, de onde eu talvez nunca tenha saído?

Dia da colação de grau. A estatura de meu pequeno homem me fez comprar um par de sandálias com saltos mais baixos do que eu costumo usar, para que eu não ultrapassasse sua altura – aleguei maior conforto, o que não deixou de ser verdade. Dançamos a valsa da formatura, eu explodindo de orgulho e ele um tanto constrangido, mas aparentemente à vontade no smoking alugado. Naquele dia, ao abraçar (forte, muito forte) a mim e ao pai - de quem a semelhança entrega sem dúvidas sua ascendência -, ele se emocionou em público e teve de enxugar as lágrimas, não houve jeito. Sua postura tão cuidadosamente edificada caiu, suave, traída pelos seus olhos cor de mel...

Quem sabe naquele dia ele tenha me mostrado, sem querer, a pequena parcela de contribuição que me coube ao grande homem que ele promete ser.