RELEMBRANDO DONA MARIA PRÊTA - Causo Matuto

Essa eu me lembro do nome de batismo; chamava-se Maria Vicente e era cozinheira da Casa Grande da Fazenda Pocinhos, nos Estados Unidos de Cabaceiras-PB; mas era chamada carinhosamente de Dona Maria Preta... “Preta qui nem azeitona; mas de uma doçura no trato com as pessoas, que dava inveja inté na quixaba mais doce que pudesse existir nas caatingas do sertão nordestino”. Morreu aos cento e três anos de idade, mas continua vivinha na minha mente e no meu coração.

Aqui acolá me fazia companhia numa “meiota de cachaça ou num vinho de jurubeba”, e quando abria seu poço de sabedoria popular, eu me sentia literalmente no céu... Bem comparando, a prá lá de saudosa Dona Maria Prêta representava prá mim, o qui Mãe Miana das Traíras-Macaíba-RN representava, bem como meu querido “cumpade Júlio Preto de saia”(Esse, ainda por aqui, batendo perna e fazendo presépe...), de tanta munganga que protagonizou e/ou me ensinou. Além de tudo isso, tinha a qualidade de ser mãe de Maria Rita, Socorro e Antôin Motorzinho; meus colegas e quase irmãos de infância, companheiros de “n” estripolias no meu amado Carirí Paraibano e personagens dos causos que lhes repasso toda semana. Certa feita eu cheguei na porta de sua casa, lá Nas Mangueiras (sem ser o Bar de Adriano e dona Vera...), e vi na sala de chão batido, um prato de pirão de leite, onde se deleitavam juntos, na maior harmonia, um periquito, daqueles que no interior brabo chamam de “priquito tapa cú” e um gato...E eu, impressionado com aquilo, quis saber como foi que ela conseguiu dar “aquela educação” aos seus dois bichos de estimação, e ela me explicou sem a menor cerimônia:

- Ôxente, Bob; no cumeço deu inté um trabaiozíin; mais eu tive uma idéia. O gato mêi zanho, eu butava o priquito mêrmo na cara do gato, quando o bicho ia avançá; eu incuía o priquito...Fiz assim uma ruma de vêiz, inté qui êles findaro se acustumando...

Mas a estória de hoje, foi passada prá mim por essa criatura maravilhosa que hoje homenageio. Contou-me ela, que num pé de serra brabo, como dizia o poeta, sem rádio e sem notícia das terras civilizadas , havia uma família onde tinha a mulher, Antonia, cujo marido se chamava “Felizmente” e um casal de filhos, cuja moça se chamava “Prazer” e o rapaz que se chamava “Alegria”. Havia ainda na casa, uma pretinha, que por ser muito risonha, tinha o apelido de “Arreganhada” e um faz tudo, que por ser muito enxerido, era conhecido pela alcunha de “Putaria”. O marido, chamado Felizmente, toda vez que chegava bêbado, enchia Arreganhada de porrada e botava o faz tudo, Putaria, prá fora de casa. Quando passava a carraspana, ia pedir desculpas à Arreganhada e chamava o Putaria de volta...E num belo dia, de súbito, morre o dono da casa. Foi aquela confusão. E durante o velório, Antonia, a viúva, junto ao caixão, assim se lamentava entre um e outro soluço:

- É isso mêrmo, meu Deuso; Filirmente, meu marido, morreu. Ficô eu, cum Prazê e Alegria, mode casá. Na pobre da minha Arreganhada, niguém dá mais; e Putaria num sai mais de dento da minha casa!...

Bob Motta
Enviado por Bob Motta em 13/09/2008
Reeditado em 13/09/2008
Código do texto: T1175833
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.