Valia a pena

Passear é um verbo transitivo, portanto exige um complemento. Nesse caso, o complemento foi a prima do Ronaldo, que veio a passeio por Curitiba. Belos pontos turísticos, sistema de ônibus exemplar e um clima incomum, a famosa cidade das quatro estações em apenas um dia, faz qualquer turista morrer de inveja. Tirando a simpatia dos curitibanos, a capital paranaense é maravilhosa. Belo dia ensolarado, pássaros cantando, céu azulado, cores vivas, assim estava o grande domingo. Há dias eles planejaram esse passeio. Haveria de ser perfeito. Sair cedo de casa, pegar ônibus da Linha Turismo e percorrer os 44 quilômetros de pura paisagem natural, com um toque arquitetônico. Nada podia impedir. Assim foram, o Ronaldo e sua prima, a Margarida, aproveitar o dia. Mal chegaram e se depararam com a notícia de que a passagem tinha subido R$4,00. Está certo, valia a pena. Foram mentalizando o objetivo. Pegar o ônibus das duas da tarde, descer em algum ponto e em seguida pegar outro ônibus. Caso se atrasassem outro viria somente trinta minutos depois. Só que Ronaldo mais parecia ter comido carne de sapo, pois estava morrendo de sede. Com o propósito de assassinar a sua sede foi em busca de alguma sodinha. Quase que quem foi assassinado foi ele próprio, porque enquanto apreciava o refrigerante perdiam o ônibus. Agora mais trinta minutos de espera. Está certo, valia a pena. Ficaram lá, O Ronaldo, a sua prima Margarida e mais umas outras trinta pessoas na frente, esperando a Linha Turismo. O Sol estava de rachar o coco, mas mesmo assim resistiram. Finalmente os dois quartos de tempo chegaram, e lá de longe vinha o ônibus. Verde, espaçoso, confortável, conversível, a atração do momento, e é claro, lotado. Já comentei, mas nunca é demais repetir, ônibus lotado, em Curitiba, é pleonasmo. É além do obvio ululante que eles não conseguiram entrar. E na pura indignação, assim como se lança um feitiço, Ronaldo diz: “tomare que chova, caia uma tempestade, molhe todo mundo, estrague as câmeras, chova granizo.” Margarida, que não conhecia a capital, apenas olhava perplexa, apreciando o momento. O próximo só viria às três. Ainda num Sol escaldante, esperaram, pois é claro, valia a pena. Dez para as três, chegou o felizardo, e o melhor, estava praticamente vazio. Nem dava para acreditar. Pagaram e subiram, aos céus, porque é uma maravilha, lá do alto, fotografar, dar despedidas ao povo que não conseguiu entrar. Atrás deles estava um casal de americanos, duas poltronas à frente sentava outro, só que eram espanhóis, no lado direito outro, coreano, um tailândes, mais um de americanos, enfim, haviam mais gringos do que brasileiros no ônibus. Todos com roupa de ir à missa, chapinha, escova progressiva e um baita sorriso de orelha a orelha. Felizes passearam todos, cantando a música do ladrão que roubou pão na casa do João, serelepes, saltitantes, peraltas. Isso até os dez incríveis primeiros minutos de passeio, ou em outras palavras, até as dez incríveis gotas de chuva. Essas dez multiplicaram-se, iguais aos Gremilins quando são molhados, e logo dez viraram cem, mil. Pois é, caro leitor dos meus devaneios, choveu, digo, inundou. Garanto que já assistiu ao filme “Titanic”, pois então. Raiva, frio e muita, muita água. Margarida, que ainda assistia a tudo com muita empolgação, somente ria. Ronaldo, com muita raiva e vergonha, pois tinha prometido que seria o melhor passeio que sua prima faria em toda a vida, começou a xingar qualquer um. Até uma libélula entrar em sua boca. Chegaram a um ponto, não turístico, mas do limite. Desceram na primeira oportunidade, parecendo pinguins. O que mais restava para aquele final de domingo? É claro, voltar para casa, com ônibus normal, ou seja, lotado. Mas, coberto, até porque, valia a pena.

Eduardo Costta
Enviado por Eduardo Costta em 12/01/2009
Reeditado em 13/01/2009
Código do texto: T1380879