A megerinha domada


Era uma vez os meus dez anos...
Meu irmão Joaquim era bonitinho, louro, de olhos verdes, mas muito tímido. Eu também não era feio, mas, em comparação com o meu irmão, aos olhos das menininhas, era um sapo. Mas um sapo metido a príncipe e dado a cantar todas que via pela frente, anjas ou megeras. Além disso, a minha veia satírica, irônica, irreverente ou debochada, como queiram, se revelou muito cedo e, por essa razão, minha fama não era lá muito recomendável entre a turminha de saias.
Havia uma deusinha lá na nossa rua por quem eu vivia caído de paixão, mas ela simplesmente me olhava como se olha para uma meia furada e velha. Isso mexia com a minha auto-estima de garanhãozinho de plantão. Mas o pior era que ela se tomara de grande antipatia por mim e criticava abertamente o meu jeitão atrevido, "saliente", como diziam as meninas daquele tempo.
Mas, um dia, de repente, não mais que de repente, ela passou por mim, sorriu-me docemente, e fez um sinal de que queria falar comigo.
Fui correndo. Correndo, não voando! A deusinha, afinal, se rendia ao Don Juan de calças curtas...
Com uma vozinha maviosa e celestial, como são as vozinhas das deusinhas, ela perguntou:
- Tonico, podes me fazer um favor?
- Claro, tudo que quiseres, meu bem!
- Então, me entrega este recado para o teu irmãozinho lindo.
- Ora, não sou menino de recados!
- Então, nem pra isso serves?
Olhou-me como se olha um repelente batráquio e foi embora, com o seu miserável e odiado nariz empinado.
Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 08/02/2009
Reeditado em 27/04/2009
Código do texto: T1428624
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