JESUS E O CAPETA DIVIDINDO AS ALMAS
Este causo, ouvi quando ainda era criança.
No cemitério daquela pequena cidade, nasceu perto da casinha do zelador, um coqueiro de macaúbas. O Zelador tinha verdadeiro ciúme dele. Os cocos cheirosos e amarelinhos eram ávidamente disputados pela molecada. Ele vigiava o coqueiro como a galinha vigia os pintos. Certo dia, ele teve que viajar e dois moleques combinaram pular o muro e ir lá roubar os cocos. Dito e feito, arranjaram um longo bambú, e à tardinha pularam o muro, cada um com um embornal.
Já escurecendo, começaram a chuchar o cacho de coco com o bambú, logo uma cascata de coco caiu sobre eles, alguns, como o coqueiro era perto do muro, cairam do lado de fora.
Juntaram os cocos e foram dividi-los. E começaram:
-Um para mim, outro para você.
A noite caiu depressa. O cemitério ficava em um canto isolado da cidade. Nesse, momento passou o João Ristilo, bêbado como sempre, encostou no muro do cemitério para dar uma mijada.
E escutou aquela voz lá dentro do cemitério dizendo:
-Esse é meu, esse é seu, um para mim, outro para você.
Apavorado, saiu correndo e molhando as calças.
Correu na casa paroquial, e procurou o padre que estava na varanda fumando seu indefectível charuto.
-Padre, venha ver, lá no cemitério, tá o capeta e Jesus dividindo as almas!
-Ora João, você está bêbado!
Tanto o João insistiu, que o padre resolveu acompanhá-lo para tirar aquilo a limpo.
No caminho, encontraram com o delegado e o prefeito, jogando baralho na venda do Zicão. João contou aos dois o que acontecia no cemitério. Ninguém acreditou, mas resolveram acompanhá-los até o cemitério, que era ali perto. O delegado falou:
-Se for mentira, João, te meto no xadrez e jogo a chave no ribeirão!
Foram chegando ao muro do cemitério em silêncio, nas pontas dos pés. Colaram os ouvidos no muro e escutaram alto e claro:
-Esse é meu, esse é seu, um para mim, outro para você.
Ficaram todos com os cabelos em pé.
Nisso terminaram a divisão dos cocos e um dos moleques falou:
-Bão esses daqui de dentro já dividimos, agora vamos dividir aqueles que estão lá fora...
Foi fogo na pólvora, correu o prefeito, o delegado, o padre e o João, apavorados pela noite afora...
* * *