JOÃO BOBO, TESTEMUNHA.

João Bobo vivia em nossa cidade, morava com os pais em um rancho fora do perímetro urbano, que um fazendeiro caridoso havia dado a eles. Os pais faleceram e João, solteiro continuou morando lá sozinho.

Não aprendera a ler, era afável e dócil, aceitava passivamente o apelido de "João Bobo". Não fumava, não bebia, não se envolvia em brigas. Vivia de pequenos serviços de capinas, varrições, socava arroz, café e da caridade alheia.

Certo dia, andando pela cidade, parou debaixo de um prédio para descansar e fugir do sol causticante. Um moleque lá em cima, vendo o João ali parado, correu no banheiro, sentou-se em um penico e soltou lá o barro. João ouviu uns barulhos estranhos e pensou que ia chover, mas o céu estava límpido e claro.

O moleque pegou o penico e despejou lá em baixo, bem em cima do pobre joão. Ele, ao receber aquela carga toda, assustou-se e saiu correndo em direção à sua casa. Tomou um demorado banho de cuia, e trocou de roupa. Voltou à cidade. Decididamente não era seu dia de sorte. Já na cidade, deparou-se com dois homens discutindo, e um deles sacou de uma garrucha e desfechou dois disparos contra o outro.

João saiu correndo como um catingueiro e ficou por vários dias sem sair de casa. Tempos depois, apareceu um soldado em sua casa e o conduziu até a delegacia. O cidadão que levou os tiros, felizmente sem gravidade, indicou o João como testemunha.

Na sala do delegado, estava o cidadão autor dos disparos. O delegado perguntou:

-Qual o nome do senhor?

-João Batista da Silva.

-Sr. João, o senhor viu esse cidadão aqui presente, atirar duas vezes no sr. fulano de tal?

-Vi, sim sinhô.

-A que distância estava o senhor deles no momento dos disparos?

-No primero tiro, eu tava incostadinho neles...

-E no segundo tiro?

-Ah, dotor, eu já tava uma légua de distança...

-O senhor se lembra que dia foi?

O pobre João não tinha noção de datas. Sempre que ele queria se lembrar de alguma data, procurava associar um acontecimento marcante a ela.

Coçou, coçou a cabeça, forçou sua curta memória e de repente seu rosto se iluminou e ele disse radiante:

-Me alembrei dotor, foi naquele dia que TRUVEJÔ PEIDO E CHUVEU BOSTA...

* * *

HERCULANO VANDERLI DE SOUSA
Enviado por HERCULANO VANDERLI DE SOUSA em 09/03/2009
Reeditado em 09/03/2009
Código do texto: T1476963