CARTÃO

Quando ouvimos falar de desenvolvimento econômico, crescimento e outras notícias que todos gostam nesse campo, imaginamos logo toda uma rede paralela e acessória que os acompanham. Na área da saúde, da educação, dos serviços básicos essenciais à população e por aí afora. Mas não é bem assim. A pressa em não perder oportunidade de lucrar aqui e agora costuma fazer os aflitos pelo dinheiro despencarem de sua ganância com a mesma velocidade que subiram no topo da pirâmide financeira. O despreparo é uma das principais causas da péssima qualidade dos serviços particulares do mesmo modo que a falta de investimentos públicos reflete na má formação, educação e vida saudável do povo em geral.

Pois bem, o que me aconteceu, se não fosse relatado poderia ir para a galeria das piadas ou “causos” que acabam entrando para o anedotário.

Estava num supermercado aqui de Belo Horizonte e fui abordado por um cartaz em que se oferecia cartão de crédito (do próprio supermercado) para facilitar as compras, ganhar prazo de pagamento sem acréscimos e, o que mais me atraiu: poder fazê-lo sem qualquer taxa, anuidade ou despesas adicionais. Não perdi tempo e fui logo preenchendo o cadastro em cujos termos prometiam entregar em domicílio o cartão daí a alguns dias. Assim foi feito, assim foi cumprido. Chegou até mesmo antes do prazo final estabelecido. No envelope do cartão veio junto um contrato e eu, com essa minha terrível mania de ler as coisas, descobri que, se usasse o tal cartão, teria de me sujeitar à anuidade, taxas de serviço, taxa de boleto, taxa de não utilização por mais de seis meses, etc, taxa, etc, taxa...

Voltei lá e, atendido pela mesma funcionária que me vendera o “presente de grego”, comentei da propaganda enganosa que me haviam feito e que não iria desbloquear o cartão para o uso, essas coisas ditas no momento da indignação.

Diálogo (com gerúndio), travado a seguir (senão não vale):

- Pois não, senhor, em que eu poderia “estar ajudando”? Expliquei o fato e ela desconcertada, me disse

- O senhor vai ter que estar ligando para o 4004-1011, que é da administradora do cartão para “estar resolvendo” esse problema. Eu disse que tudo bem e repeti para ela o número como sempre fazemos nessas ocasiões, nem que seja só para estender o papo.

- É 4004, mil e onze, né?

- Não, senhor, é 4004, dez onze.

- Pois, então, mil e onze!

Toda didática, ela ensinava:

- Senhor, é como mil, escrito ao contrario. Retruquei logo:

-Aí é mil e um. Ela me olhou mais detidamente, com aquele jeitão do tipo: “ai, meu deus, como tem gente ignorante...!” e repetiu enfática:

- O senhor tem que discar quatro mil e quatro dez onze. Inconformado com tal confusão e não acreditando na falta de intimidade dela com os números, desafiei:

- Por favor, escreva aí para eu ver o número mil e onze. Desconcertada, tratou logo de dar por encerrada a conversa, num gerúndio de doer ainda mais os ouvidos:

- Olhe, se o senhor não “ estar discando dez onze”, não vai dar certo.

Desisti e saí agradecido e rapidamente para não gargalhar ali em meio à fila que já se formava atrás de mim, até mesmo para que a menina não se sentisse ofendida. Será que iria “estar sentindo”?

E o cartão continua guardado.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 19/03/2009
Código do texto: T1494071