As aventuras de Tonico - O baderneiro do cinema

      Tinha os meus 15 anos, filho de mãe viúva e pobre e, portanto, dinheirinho no bolso era coisa rara. Mesmo assim, conseguia alguns trocados com a velha para assistir à sessão de bang-bang dos sábados, no Cine Rex, "cinema-poeira" do mal afamado bairro do João Paulo, em São Luís.
      O Cine Rex era cinema para pobre mesmo. Era dividido em duas partes: embaixo, um enorme salão com compridos bancos de madeira (se não me falha a memória, cabia umas 50 pessoas em cada banco), e, em cima, uma espécie de segundo andar, mas que se estendia só até uns 30 metros sobre a parte de baixo, onde havia cadeiras para os assistentes sentarem. No tempo do velhíssimo cruzeiro, o ingresso para a parte de baixo era de um cruzeiro e para a parte de cima, de 2 cruzeiros.
      Obviamente, embaixo predominava a gentalha - meninos e adultos sem grana - e em cima, o tal do camarote, gente de família: moças, senhores e senhoras. Para complicar, era velhíssima a máquina que projetava os filmes, o que ocasionava sucessivos cortes e interrupções. Parava o filme e as luzes eram acesas. O encarregado da projeção, de apelido Bolachinha, sofria muito quando o filme "partia". Embaixo, além de muitos e cabeludos palavrões, a molecada, em coro, gritava:
      - Bolachinha, tá roubando o filme, né? Ladrão! Corno! Filho da puta! Tá pensando que isso é o xiri (1) da tua mãe, desgraçado?
      Bom, numa sexta-feira encontrei-me com a minha namorada Elza, que me perguntou:
      - Tonico, vamos amanhã ver o bang-bang do Roy Rogers?
      Eu gostava mais do Cavaleiro Mascarado, que matava bandidos do começo ao fim do filme, uma versão antiga do Charles Bronson, mas, de qualquer modo, não tinha um tostão furado. E respondi, sério:
      - Não, tenho prova na segunda-feira e preciso estudar bastante.
      - Estudar? Muito estranho, tá doente? Tu não é disso...Tá bom, então eu também não vou, mas vê lá, hein?
      No sábado, minha mãe me percebendo macambúzio, ofereceu:
      - Toma esse cruzeiro, filho, vai pro teu cineminha.
      Fui. Camisa aberta no peito, xamatós (2) nos pés, juntei-me com a patota dos moleques da rua onde morava e fui para o Cine Rex. Naturalmente para a parte de baixo, a da ralé. Lá pras tantas, a máquina projetora deu pirepaque, parou o filme e acenderam as luzes. Ora, eu estava presente, era dos mais salientes e desbocados moleques, e não perdi a chance. Subi no banco e empunhando os xamatós  como batuta, gritava e comandava o coro do meu banco:
     - Bolachinha! 
     O xiri da tua mãe é de galinh
a!    
     Depois de alguns minutos, recomeçou o filme e tudo voltou ao normal.
     Na segunda-feira, encontrei-me com a Elza, que ia para o colégio, acompanhada do irmão, um cabrinha metido a besta com o qual eu já tinha tido alguns "arranca-rabos". Elza estava séria e resmungou:
     - Estudaste bastante, Tonico?
     - Sim, muito!
     - Mentiroso!
     - Hã ?
     - Eu tava no Cine Rex, ontem, e te vi lá, comandando o espetáculo! Eu não sabia que tu tinhas a boca tão suja assim! Fiquei morta de vergonha, minhas amigas te viram: Tonico, o chefe da molecada!
     - Não foi assim também, né...
     O irmão interveio:
     - Foi sim! És um baderneiro! Te afasta da minha irmã!
     - Não te mete, cara, vai tomar no rabo!
     O pau cantou, rolei com o irmão no chão e naturalmente perdi a namorada...

(1) Xiri - Termo chulo usado no Maranhão para vagina.
(2) Xamató - Tamancos de madeira usados por meninos pobres nos anos 50 no Maranhão.


Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 19/08/2009
Reeditado em 22/03/2011
Código do texto: T1761970
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