OS CAÇADORES

Os compadres Zéca e Tião era metidos a bons caçadores. Costumavam embrenhar-se pelos matos do interior atrás de codornas, perdizes, arriscando às vezes caça mais graúda, um tatu ou mesmo um veado campeiro, animal de porte.

As suas empreitadas eram contadas aos amigos e conhecidos, não raro com uma dose de exagero. Histórias de caçador, todo mundo dizia, mas sempre ouvidas com atenção e boas risadas.

Certa feita os compadres foram caçar lá pras bandas de Curvelo (Inimutaba, mais exatamente). Embarafustaram mato adentro, acompanhando os cachorros e se esqueceram até de comer.

O sol descambou, eles nem notaram e, de repente, a noite os pegou no meio da mata, sem rumo certo. Vislumbraram luzinha bruxuleante ao longe e para lá rumaram, pegando em Deus que achariam abrigo e comida.

Era um humilde casebre de pau a pique, coberto de folhas de palmeira, piso de chão batido, pobreza franciscana. Bateram palmas e uma velhinha os atendeu à luz de um candeeiro:-

“- Boas noites, minha vó. Deus seja louvado!”

“- Bas noites, meus fio. Vamos entrando...”, respondeu a anciã.

“- Minha vó, somos caçadores e estamos perdidos. Podemos pernoitar aqui? Amanhã cedinho damos no pé e achamos o caminho de volta.”

“- Pode sim, meus fio. É só num repará na pobreza ...”

Zeca e Tião adentraram o interior da choupana, acomodaram-se num canto, tiritando de frio. A velha se dirigiu ao enorme fogão à lenha, num canto da cozinha e falou:-

“- Vou fazer uma sopa, viu? Pra mode espantar o frio ...”

Acendeu o fogo e começou a mexer o enorme caldeirão de ferro fundido, já na trempe, cozinhando a sopa e tagarelando com os seus inesperados visitantes.

Matraqueava tanto que, em dado momento, sua dentadura escapuliu da boca e caiu dentro do caldeirão! A velha apanhou-a de volta com a colher de pau e meteu ligeiro na boca banguela, recompondo-se. E continuou o falatório, remexendo o sopão.

“- Tá pronto!”, ela falou. “- Agora vamo cumê.”

Compadre Tião, esfomeado, encheu logo um prato esmaltado e forrou o estômago. O Zeca, com a lembrança da dentadura escapulindo pra dentro do caldeirão, não conseguiu comer de jeito nenhum. Seu estômago embrulhava.

Terminada a refeição frugal, cada um foi pro seu canto, pois já se fazia tarde da noite gelada. Compadre Tião, de barriga cheia, logo adormeceu feliz, sonhando com uma bela paca. Já o compadre Zeca, faminto, não pregou olho. Revirava no catre, sentou-se e ficou a pensar:-

“- Essa velha deve ter alguma comida escondida por aí. Eu não me agüento de fome!”

Levantou-se, foi tateando até o fogão, mas lá só havia mesmo o caldeirão da sopa que ele, de nojo, não conseguiu tomar.

Ergueu então os olhos e viu, favorecido pela claridade da lua infiltrando pelas frestas da tapera, uma corda esticada de um ponto a outro da cozinha. Pendurado ao meio, um pedaço de suculento toucinho.

Compadre Zeca alegrou-se:- era a sua salvação. Subiu num tamborete, pegou o naco de toucinho, colocou numa enorme frigideira de ferro, remexeu as brasas, descobriu farinha grossa numa lata dentro do miserável armário e fez a festa.

Comeu como um padre, lambeu os beiços e foi dormir satisfeito. Tal e qual o compadre Tião, as pacas gordas vieram povoar os seus sonhos de caçador frustrado.

Manhãzinha seguinte, a velha acordou-os para um café ralo, a única coisa que lhes poderia oferecer.

“- Minha avó, a gente vai embora e gostaria de agradecer pelo pouso, viu?”

“- Tem nada não, meus fio.”

“- Mas ... a senhora tá com uma cara triste, o que foi?”, indagaram os compadres.

“- Foi nada não, meus fio. É o gato que roubou meu pedaço de toucinho lá na cordinha ...”

“- Ora, minha vó. Vou lhe dar um dinheirinho pra senhora comprar outro naco”, retrucou o compadre Zeca, avermelhado, já corroído pelo remorso.

“- Num precisa não, meu fio.”

“- Precisa sim! Eu insisto. Quanto é que é?”, repetiu o Zeca.

“- Ah, meu fio. Aquele toucinho num tem preço, sabe? Tava aí faz é tempo ... Usava ele requentado pra mode aliviar minhas hemorróida ...”, arrematou a velhinha, enquanto o compadre Zeca corria pro terreiro, vomitando e botando os bofes pra fora ...

-o-o-o-o-o-

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 16/09/2009
Reeditado em 24/02/2011
Código do texto: T1813327
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.