Sarro de trem

Naquele dia, eu estava conversando com o Antonio na cantina enquanto tomávamos um cafezinho. Eu contava sobre o que acontecera comigo no metrô quando vinha para o trabalho.

- O trem estava supercheio. Eis que de repente me vi grudado numa garota bonita, elegante, cheirosa. Pô... Fiquei numa situação complicada. Por mais que não quisesse me aproveitar, nossos corpos estavam colados, não cabia uma agulha entre a gente.

- Por mais que não quisesse se aproveitar... Sei... Até parece...

- Não, sério. Com os balanços do trem, nós estávamos tão próximos que eu tive que me controlar para não dar um beijo na menina.

Antonio deu uma risada, pediu detalhes da garota. Enquanto fui dizendo que ela era alta e magrinha, ele ficou calado. Devia estar tentando visualizar, como bom punheteiro que é. Logo em seguida, porém, ele olhou em volta e se retraiu. Virei o rosto e percebi que bem perto de nós estava a Sandra, secretária da seção.

Agora vou falar da Sandra. Ela é uma mulher de aparência austera, ainda que bastante sensual. Tem por volta de 40 anos e, embora não seja exatamente bonita, faz enorme sucesso com os homens do escritório. Não só entre os contínuos, como eu e o Antonio; com todos. Ela não tem corpo de modelo, está até mais para cheínha, mas a verdadeira razão do seu destaque sobre todas as mulheres da seção é que ela é muito tesuda. Não tenho muito estudo, mas não sou mal educado, por isso me desculpo pelo termo. Poderia usar qualquer outro adjetivo menos baixo, mas nenhum ia dizer tanto sobre a Sandra. Muito tesuda, essa é a melhor definição. Tudo nela inspira sensualidade: o olhar, os peitos grandes, as coxas grossas, os pés pequenos e gorduchos, com unhas superbem feitas, o andar provocante, o balanço dos cabelos, o dos quadris.

Pelo que se dizia nos corredores, já tinha tido caso com dois diretores da empresa. E devia habitar os sonhos de pelo menos uma dúzia de colegas.

Tímido, Antonio morria de medo dela. Ele engoliu o café com pressa e voltou ao trabalho. Deve ter queimado a língua. Bem feito. Quem manda ser frouxo?

Eu, não. Eu fiquei ali, tentando aparentar naturalidade, mas em dúvida se ela tinha ouvido ou não o que eu dissera. Caso tivesse escutado, ela podia fazer alguma brincadeira numa hora imprópria, o que me deixaria completamente sem graça. Esse era o medo do Antonio também. Ao mesmo tempo que às vezes era brava, a Sandra adorava também deixar a gente sem jeito.

- Muito bonito, Robertinho... Muito bonito – ela disse chegando por trás de mim.

Gelei. Pelo visto, ela tinha ouvido tudo.

- Quer dizer que você é desses espertinhos que vivem se esfregando nas garotas no metrô, hein? Nunca pensei.

Fiquei sem graça, embora o jeito dela naquela hora não fosse exatamente de censura.

- Ah, você me ouviu contando?

- Ouvi. E fiquei chocadíssima.

- Que nada. Não sou desse tipo de cara, não...

- Ah, não?

- Não. O que eu estava contando era que o vagão estava tão cheio e a garota tão perto de mim que até fiquei com vontade de dar um beijo nela. Mas não fiz nada, não, fiquei na minha. O contato que houve foi mesmo por causa do aperto...

- Do aperto? Sei...

- Do aperto, quer dizer, da superlotação.

- Ah.

- Eu não sou nenhum desses tarados que já vai se encostando, com mão boba...

- Não?

- Não.

Após um instante de silêncio, ela disse:

- Ah, que pena.

Não entendi.

Ela inclinou a cabeça e falou baixinho, perto de mim, em tom de segredo.

- Não fala pra ninguém. Eu adoro um sarro de trem, sabia? A-do-ro.

Fiquei pasmo.

- Que foi? Te escandalizei? – ela perguntou.

- Não. Nada. Normal.

- Pois é. Adoro ser encoxada. Pensei que você também gostasse...

E agora? Como eu ia sair daquele impasse? Afinal, eu gostava ou não gostava?

- Não... é... quer dizer... Gostar eu gosto, mas não fico assim procurando, sabe?

- Ah, não? Eu fico.

- Fica?

- Fico. Não é sempre, é só quando estou a fim. Aí já procuro logo um gostosão e grudo nele. Chego aqui tão relaxada.

- Ah.

- Uma vez foi com o ombro. Sabe como é, não sabe? Eu estava sentada do lado do corredor, um garotão ficou junto de onde eu estava, o vagão foi enchendo, foi enchendo, e eu só esfregando o ombro nele... O cara ficou maluquinho. E eu bem fingindo que não estava acontecendo nada...

Eu ri, nervoso e excitado.

- Então quer dizer que você nunca tirou um sarro gostoso no metrô? Pensei...

- Não. Já – me apressei em responder. – Um dia, o trem encheu tanto na Central que eu acabei sendo jogado em cima de uma mulher. Passei a viagem toda até a Cinelândia grudado na bunda dela.

- Huuummm... Sabia que você não era nenhum santinho... Grudou na bunda da mulher. E aí?

- E aí foi aquilo, né? Fiquei superexcitado. Impossível ela não ter notado.

- Claro que notou. Não disse nada porque estava gostando. Tem um monte de mulher que curte um sarrinho.

- Tem, né? O difícil é achar uma que goste. Não dá pra sair me encostando em todas.

- É. Pode até ser perigoso. Já pensou? Vai que uma faz escândalo, você pode acabar até sendo linchado.

- Deus me livre.

- Nisso pra mulher é mais fácil. Nenhum cara vai reclamar se levar uma esfregada.

- Ah, é.

- Mas nós podemos fazer uma coisa. Se você quiser...

Sandra baixou um pouco a cabeça, mordeu o lábio inferior e me olhou.

- Hum... O quê? – perguntei ansioso.

- Você pega o metrô na Saens Peña também, não pega?

- Pego.

- Então. Nós podíamos combinar de virmos juntos pro trabalho um dia. Já pensou, nós dois viajando juntinhos no mesmo vagão, naquele aperto todo?

Ela riu, de modo provocante.

Arregalei os olhos, supreso.

- Ou você não quer?

- Não. Quero. Claro que quero – respondi rápido, antes que ela mudasse de ideia.

- Assim nós dois realizamos nossas fantasias. O que você acha?

- Eu topo! Quando?

- Ué, pode ser amanhã mesmo. Que tal?

- Tudo bem.

- Só que tem uma coisa...

- Eu sei. Eu não conto pra ninguém, pode deixar.

- Não. Isso eu sei. Se eu achasse que você era um moleque não estaria aqui falando disso contigo.

- Claro, claro.

- Só que pra fantasia ficar legal, você não pode falar comigo. Tem que parecer que nós não nos conhecemos.

- Ah, tá. Tudo bem.

- Você espera na plataforma, quando eu entrar no vagão você entra também e fica perto de mim, assim como quem não quer nada, entendeu?

- Entendi, entendi.

- Aí quando o vagão começar a encher, você chega junto.

- Eu chego junto. Combinado.

- Então amanhã às oito na estação da Saens Peña.

- Ok.

- Ah, passa um perfuminho, tá? Adoro Pólo, você tem Pólo? Ou então Azzaro.

- Tá. Tudo bem. Deixa comigo.

Ela ia saindo, mas voltou.

- Ah, eu vou de saia - disse.

- Vai?

- Hã-hãm.

Sandra piscou um olho. Depois passou a mão no meu peito e saiu. Respirei fundo. Bebi um gole de café, que naquela hora já estava frio. Fiz uma careta.

No dia seguinte, fiquei na plataforma, esperando que Sandra aparecesse. Naquela hora, os trens já estavam saindo bem cheios. Só de imaginar dando uma encoxada numa das musas do escritório, já me deixava excitado.

Finalmente avistei Sandra descendo as escadas. Estava gostosíssima. Usava um vestido justo, que se moldava perfeitamente a seu corpo, a saia tinha uma abertura lateral bastante generosa. Calçava sandálias de salto alto que a faziam caminhar com muito charme. Por onde passava, os homens viravam a cabeça para ver melhor.

Esperei que ela escolhesse o vagão e depois me aproximei. Parei ao seu lado, com discrição, mas fizemos como havíamos combinado, sequer nos olhamos. Um minuto depois, chegou o trem. Como algumas pessoas embarcam no Estácio e não saltam, para garantir lugar para seguirem sentados em direção à zona sul, quando os passageiros que estavam na plataforma entraram, já havia poucos assentos vagos. Sandra ficou em pé junto a outra porta, encostada no último banco daquela fileira. Estudei o cenário e me posicionei estrategicamente segurando o ferro, diante da porta, bem perto de onde Sandra estava. Quando o trem começasse a encher, eu me aproximaria sem despertar suspeitas.

Assim foi. Logo que entraram mais passageiros nas estações seguintes, eu me locomovi e fui para junto de Sandra. Como quem não quer nada, deixei que minha mão encostasse na dela. Ela não tirou. Quando o trem partiu, aproveitei o solavanco e fiz meu corpo ir de encontro ao dela. Senti o calor que emanava de sua pele, fiquei excitadíssimo.

Ao parar no Estácio, a composição foi invadida por centenas de passageiros. O vagão onde estávamos foi totalmente tomado. No empurra-empurra, acabei grudado em Sandra. Pude então, pela primeira vez, dar uma boa de uma encoxada nela. Logicamente não houve protesto algum. Sem muito cuidado, ainda grudado nela, fechei os olhos e me esfreguei demoradamente.

Quando o trem parou na estação da Praça Onze, eu e Sandra já nos movíamos como se fôssemos um só. Certo de que aquilo podia estar escandaloso demais, recuei ligeiramente. Disfarçando, olhei em volta. Foi quando levei um tremendo susto. Um sujeito nos olhava fixamente.

Fiquei ressabiado.

Era um tipo moreno, de mais de 40 anos, mais alto do que eu, forte, com um peito largo e avantajado e uma cara de quem não hesitaria em vir em defesa de uma mulher que estivesse sendo vítima de um tarado.

Baixei os olhos, perturbado. Cutuquei Sandra discretamente (no braço, com a mão) e indiquei o sujeito a ela, com um gesto de cabeça. Ousada e atrevida, Sandra empinou a bunda e se esfregou em mim.

Nesse instante o trem chegou à Central. Uma nova leva de passageiros invadiu o vagão. Onde cabiam, com muito esforço, no máximo três pessoas, entraram mais de 20. A disputa por um lugar tornou-se violenta. De repente, me vi sendo empurrado pela multidão para o meio da composição, longe de onde Sandra estava. Imediatamente, levei um encontrão e um pisão no pé. Procurei me proteger. Sandra permaneceu onde estava e olhou para mim, rindo daquele imprevisto.

Não consegui dar um passo em sua direção. A luta por espaço no vagão era intensa. A massa de pessoas estava absolutamente compacta. Um cotovelo pairava ameaçadoramente diante do meu nariz. Por um instante, tive que esquecer Sandra para preservar minha integridade física.

Quando enfim os corpos todos ficaram mais ou menos encaixados, estiquei o pescoço procurando avistar onde ela estava. Tive então uma surpresa. O sujeito moreno, forte e mau encarado estava grudado nela.

Tentei me mexer, mas não consegui arredar um pé.

Muito da minha agonia era pensar que, naquela situação, Sandra devia estar aproveitando, já que estava sendo acintosamente encoxada.

Procurei forçar a passagem para me aproximar.

Como se percebesse minha intenção, o sujeito virou o rosto e me olhou. Parei, totalmente intimidado.

Duas estações adiante, o trem começou a esvaziar. Consegui me mexer, ganhei alguns centímetros de espaço e pude me aproximar um pouco do ponto onde Sandra e o sujeito estavam. O que eu vi não foi nada agradável.

O sujeito estava com uma das mãos enfiadas pela abertura da saia de Sandra. Ele fazia isso com bastante jeito, com o corpo colado ao dela, praticamente encobrindo a visão dos outros passageiros. Já Sandra não parecia muito preocupada em disfarçar. Estava de olhos semicerrados, com a cabeça deitada para trás, quase recostada no peitoral do camarada, de um modo que denunciava facilmente o que estava acontecendo.

Resolvi avançar ainda mais, abrindo espaço na marra. Nisso, o trem deu uma violenta freada, depois voltou a andar. Fui arremessado com força sobre uma mulher gorda que estava à frente. Imprensada, ela virou-se para trás e gritou:

- Ei! Safado! Tarado! Sem vergonha!

Não tive reação. Imediatamente a mão da mulher me alcançou a orelha. Slap! Depois, outra, mais pesada, no pescoço. Tum! Aí se seguiram chutes, joelhadas e sopapos que nem vi de onde vinham. Quando o trem parou na estação, fui ejetado porta à fora. Caí sentado na plataforma, com a roupa rasgada, despenteado e com as bochechas bem quentes.

Dentro do vagão, as pessoas riam e me xingavam. Quando a porta se fechou, pude ver a Sandra, no lado de dentro, me olhando assustada. E o maldito sujeito lá, ainda grudado nela.