SANTO ANTÔNIO E O VAQUEIRO HEREGE

O vaqueiro Quinzinho contando outro de seus causos:

Uma veiz eu fui ajudá a buscá um gado lá na Bucaina. Era o Chico Curió, que contratava os vaquero. Cumbineno o preço e saimo de madrugada, pra i lá na Bucaina. O boiadero dono do gado era um veio branquelo, baxinho, mal himorado, cara fechada...

Era uma sinhora boiada, acho que umas mil reis. Eu cheguei perto do Curió e falei cuele:

-Chico, eu num trabaio presse home mais não, ô home macriado, a gente dá bom dia ele num responde, converso cuele ele nem tá aí...

-Liga não sô, ele num responde purque é meio surdo...

Nois vinha tocano o gado, tranqüilo, gadinho manso de curral. O veio vinha amuntado num cavalo grande, de raça, uma arriata que inté lumiava. Ele usava umas bota sanfonada, um palitozão, que paricia uma capa gaúcha. Eu tava no meu cavalo um poco atrais dele e de repente o boi de guia passô perto de uma cascavel inrrolada e ela bateu o chucaio, esse boi assustô e dirriçô na carrera, os otro foi tudo atrais... O istoro foi brabo, nois fincamo atrais do gado, cerca daqui, cerca dali e nada do gado acarmá.

Eu passei perto do véio boiadero e iscuitei ele tirá o chapéu e gritá bem arto:

-Santo Antonho, ajuda a acarmá o gado e pará o istoro que eu dô 20 boi da cabicera pra festa da Taboca...

Nois cuntinuemo a labuta e cumo se fosse um milagre, o gado foi acarmano, acarmano inté sussegá. Fizemo a contage, tava fartano deis reis, ficamo a tarde toda campiano elas. Achemo sete e ficô treis sumida.

Cuntinuemo tocano o gado, receioso de medo deles istorá traveis. Uma hora eu passei perto do boiadero e quereno puxá prosa cuele, falei quais gritano:

-Quando o sinhor fô separá os bois pra festa de Santo Antonho da Taboca, eu quero ajudá a iscoiê, eu sô devoto de Santo Antonho...

O véio respondeu brabo:

-Separá boi que nada, quem acarmô o gado foi nóis, Santo Antonho num feiz nada...

Eu achei aquilo uma farta de respeito com o santo e falei:

-É, mais eu iscuitei o sinhor falá que ia dá 20 boi pra festa de Santo Antonho, se o gado acarmasse, é um pecado o sinhor falá assim...

Ele respondeu:

-Ah, se Santo Antonho quisé boi, ele que fais cumo eu, trabaia e compra...

Nesse momento nois tava passano perto dum ranchinho e um cachorro saiu correno atrais dum gato, e esse gado infiô dibaxo das perna do boi de guia, que assustô, e disparô na carrera, o resto do gado fincô atrais dele, cumeçô tudo outra veis...

O Véio cum os oio arregalado gritô:

-Eta Santinho discunfiado, a gente num pode nem brincá cum ele...

* * *