GRANDES QUESTÕES DA HUMANIDADE ou OB-OBSERVANDO A MULHERADA QUE VEM E QUE PASSA NO CALÇADÃO SOB UM INCLEMENTE SOL DE VERÃO

Praia. Mesa de um quiosque, pela manhã, sob poderoso maçarico de 50°. Quatro ilustres cidadãos, respeitados analistas sociais, debatem, com a gravidade que o momento exige, algumas das mais importantes questões da humanidade, enquanto contemplam as belezas e também as aberrações da natureza, que desfilam pela passarela de pedras portuguesas.

- Olha aquela, olha aquela – anuncia Luba animado.

É uma mulher gorda, de biquíni amarelo, dona de um traseiro descomunal, que passa fazendo trepidar toneladas de banha.

- Aquilo que eu chamo de tcham. O resto é brincadeira de criança – anota John, recorrendo a intertextualidade que só os mais inteligentes podem perceber.

- Aquilo é um tcham elevado a quarta potência – diz Marquinho, seguindo na mesma linha. - É um verdadeiro tcham-tcham-tcham-tcham!

Tanta presença de espírito faz o Mestre abrir os olhos.

- Impressionante! – decreta após um instante. - Uma mulher dessas tem a capacidade de revolucionar a tradição arquitetônica dos banheiros.

- Tanto assim? – pergunta Luba inquieto.

- Claro – responde o Mestre com certa impaciência. - Você não vê?

Luba olha a mulher com atenção e sente um arrepio. Maldita mania de despir as mulheres com os olhos. Mas ainda não compreende. Não é só a intertextualidade que evidencia a inteligência que jorra farta naquele grupo. O Mestre às vezes também usa parábolas e metáforas para se fazer entender. Os demais também não compreendem o mistério.

Diante da obscuridade evidente no olhar dos comensais, o Mestre, mal humorado, explica:

- No banheiro da casa dessa mulher, ter uma banheira é absolutamente imprescindível. Agora, já um vaso sanitário, nem tanto.

A sentença demora três segundos para fazer sentido. Ao cabo do quê...

- Oh!!!... – fazem todos em sinal de absoluta reverência.

O Mestre quase sorri. Humilde, mas soberano, torna a cerrar levemente os olhos.

- Sim, é verdade! – exulta Luba diante da luz.

- Além do quê – torna Marquinho -, com um corpo desses, eu acho que ela jamais deveria usar biquíni.

John concorda:

- Devia usar escafandro - completa.

- Vocês sabem por que o maiô de duas peças tem esse nome de biquíni, não sabem? – pergunta John.

Ele sabe que naquele seleto grupo todos sabem, por isso se apressa em responder:

- Biquíni era o nome de uma ilha do Pacífico, onde os norte-americanos realizaram algumas experiências atômicas no fim da década de 50. Foi uma homenagem.

- Claro, o maiô despedaçado... – sorri Luba embevecido.

Marquinho já pensava adiante:

- É, então nesse caso, esse bujão aí é uma homenagem à própria bomba atômica.

A dona de curvas avantajadas e disformes já vai longe e novos temas já se avizinham.

- Não sei o que vocês acham – diz John. – Mas devia ser proibido mulher assim muito feia vir à praia...

- Pelo menos em dia de sol – gentil, Luba faz essa ressalva.

- É, de noite, numa praia deserta tudo bem... – concede Marquinho.

- E chovendo – emenda John.

- E chuva ácida – completa Marquinho. – Aí pode.

- O que o Mestre acha? – pergunta Luba, a despeito do sol, ávido por mais luz.

Dessa vez, o Mestre nem abre os olhos.

- Homem muito bonito também.

Os três se entreolham.

Garota bonita, de cabelos louros, encacheados, para no quiosque e pede uma água de côco.

- Já essa lourinha devia ser obrigada a dar plantão todo dia – diz Luba.

- Aliás, não é só plantão que ela devia me dar todo dia – observa Marquinho.

Com a mão levantada, John pede um aparte.

- Não, não... Peraí, peraí.

- Que foi?

- Que lourinha é essa que vocês estão falando? – pergunta inconformado.

- Você tá cego, cara?

John, irredutível: - Aquilo ali não é loura. Peraí.

- Como não é loura? O sol deve estar te fazendo mal.

John não cede:

- Não é loura. É sarará. Sarará não é loura. Tem uma diferença muito grande.

Luba se inquieta.

- Mas ela é loura. Você não tá vendo? Olha os pelinhos nas coxas.

- Huuummm...

- Água oxigenada.

- Que isso! Nada a ver.

- Não? Olha o cabelo. Cabelo crespo. É sarará.

Marquinho também não se conforma.

- Sarará, nada! Olha os cachos.

- Que cachos? Carapinha – rebate John. - É sarará.

Marquinho, quase indignado:

- Para! Maior cabelão encaracolado, lindo.

John: - Bombril. Pura palha de aço.

Luba resolve buscar o caminho da verdade.

- Peraí. Vamos ouvir o que o nosso guru tem a dizer. E aí, Mestre? Aquela menina ali. É lourinha ou sarará?

Marquinho, ansioso pela resposta: - Fala a voz da experiência!

O que o Mestre via quando estava de olhos fechados era algo que os intrigava. O mau humor que demonstrava sempre que era interrompido indicava que, ao mundo exterior, ele preferia sua interna contemplação.

Sem abrir os olhos, o Mestre esbraveja:

- Ah, não amola! Não acredito que vocês estão discutindo por causa de cabelo. Cabelo não é importante. A menina é bonita?

- É – responderam os três envergonhados.

E o Mestre, de olhos fechados:

- Então. Se cabelo fosse importante, não nascia na beirola do cu pra ficar todo sujo de merda. E não venham vocês me incomodar com besteiras, por favor!

Eis que um profundo e respeitoso silêncio se estende como uma vasta sombra sob o sol.

Carlos Eduardo Melo
Enviado por Carlos Eduardo Melo em 19/01/2010
Reeditado em 20/01/2010
Código do texto: T2038679
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