VELÓRIO

Zé Pequeno era um tipo muito estimado no lugarejo das Traíras, distrito de Capão Bonito, município localizado na região central do Vale do Paraopeba, lá pras bandas da minha terra natal.

O anãozinho era safo, conhecia todo mundo, entendia de eletricidade e um pouco de mecânica, de maneira que fazia bicos nessas áreas, sempre que procurado pelos moradores das Traíras e adjacências. E assim ia levando a sua vidinha simples, amigo da paz e dos bons costumes, sempre se dando bem com todos os viventes.

Um belo dia o Zé Pequeno bateu as botas, assim de repente, sem aviso prévio. O povo ficou naquele rebuliço, num desconsolo geral. A igrejinha de São Sebastião bateu o sino pelo finado e a notícia alastrou que nem fogo em capim seco.

Uma vez que o anão morreu de tardezinha, na chegada do crepúsculo, o povo correu de noitinha à sua casa para o velório, a fim de chorar o falecido. Como soi acontecer nesses velórios do interior, os grupos de conhecidos, após dar uma olhadela no morto dentro do caixão, afastava-se para um canto da casa, de preferência lá pra dentro, na cozinha, onde ficavam matraqueando num bate-papo prolongado.

Aí as moçoilas e parentes do defunto vinham servindo um cafezinho, um pãozinho de queijo, uma paçoca e aquela cachacinha da roça, de primeira, o que fazia a alegria do pessoal. E então a prosa se estendia madrugada adentro e ninguém se preocupava com o adiantado das horas.

Na casa do Zé Pequeno as rodadas de café, pinga e tira-gosto se sucediam e daí a pouco já se notava alteração entre os grupos, com aquela falação em voz alta, risadas estridentes e contagiantes, numa alegria que nem parecia estarem num velório.

Foi quando bateram à porta da sala, com três pancadas fortes e ritmadas, de um jeito que todos os presentes ao velório interromperam o falatório. Um silêncio pesado reinou absoluto e alguém se apressou em abrir a porta.

E aí adentrou o recinto o Taioba, um baita negão morador da vizinhança, com o anão falecido debaixo do braço e bradou, alto e bom som:-

“- Puxa vida, pelo menos tomem conta direito do defunto, pois é a segunda vez que o gato pega ele e leva lá pra cima do telhado! ...”

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B.Hte., 18/04/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 18/04/2010
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