CORRENTE DE AR

Essa eu devo ao Murilão, meu companheiro velho de guerra da Cachoeirinha, grande contador de “causos”, excelente papo, gente da melhor qualidade, como diria o Miguelzinho da Olga, aquele da fala “taiou meu sangue”.

Juvenal,um sujeito cheio das manias vestiu o pijama de madeira aqui na terra, passando para o andar de cima. Em lá chegando foi recepcionado por São Pedro, com aquela barba enorme, muito branca, sempre bonachão, o qual foi logo dando as boas vindas ao recém chegado:-

“- Bom dia, Juvenal, meu filho! Seja bem vindo ao Paraíso Celestial e receba as bênçãos do nosso Pai Eterno. Fique à vontade! ...”

“- Puxa, São Pedro, muito obrigado! Posso dar uma voltinha por aí?”

“- Sim, pode, mas me diga antes:- como foi que o filho morreu?”

“- Ah, foi de corrente de ar, São Pedro. Eu não suporto corrente de ar, desde criancinha, né? Peguei uma forte, veio uma pneumonia e ... o resto o senhor já sabe.”

“- Então tá certo. Pode ir dar a sua voltinha, depois a gente conversa melhor, viu? Vai tranquilo.”

E aí o Juvenal se mandou por aquelas avenidas largas, bem arborizadas, passando por casas e prédios enormes, tudo pintado de um branco imaculado, ornamentadas por belos e floridos jardins. As pessoas andavam em grupos, todas amáveis, distribuindo sorrisos e olhares atenciosos, as conversas eram em tom baixo, educadamente, uma beleza! O nosso amigo se encantou. Na terra era bem diferente.

Andou muito, chegando até o final da grande avenida que desembocava num parque à beira de um grande lago. Do outro lado, um bosque maravilhoso, rico em fauna e flora, com pássaros de grande colorido voejando por ali.

Depois de muito passear, admirando todo aquele cenário esplendoroso, nosso amigo voltou ao encontro de São Pedro, tendo sido recebido em audiência particular.

“- E então, meu jovem? O que você achou do Paraíso?”

“- Ah, São Pedro, pra ser bem franco achei um pouco frio, sabe? Tudo bonito, muito limpo, mas frio. E eu não posso com vento, com corrente de ar, já disse.”

“- Mas você acaba de acostumando, meu filho! Pode acreditar.”

“- São Pedro, se não for pedir muito ao senhor, eu gostaria de conhecer o Inferno! Lá deve ser mais quente, não?”

“- Nem pensar! O seu lugar é aqui, sabe? Não posso permitir tal proeza! ...”

“- Mas, São Pedro, é só pra dar uma vista. Rapidinho! Coisa de poucas horas.”

Tanto falou, tanto insistiu (o cara era teimoso como uma mula) que acabou convencendo São Pedro a liberá-lo.

“- Bom, vou lhe dar um salvo-conduto então, coisa pra vinte e quatro horas, tá? Nem um minuto a mais! ...” – Preencheu um cartão, carimbou, assinou e liberou o sujeito, até pra se ver livre dele.

Aí meus amigos, vocês sabem como é, né? São Pedro está vetusto, cansado, cheio das obrigações, extremamente ocupado, meio esclerosado. E acabou se esquecendo do Juvenal. Duas semanas depois, ele se lembrou e ficou apavorado:-

“- Meu Deus, como eu fui me esquecer do Juvenal? Só lhe dei um dia, já se passaram duas semanas! Ah, meu Pai! ...” – E despinguelou pelo elevador abaixo em direção ao Inferno. Chegando lá, bateu com seu enorme bordão na grande porta de entrada, aroeira maciça.

Em minutos ela se abriu, São Pedro sentiu um bafo quente na cara, viu aquele fumacê lá dentro, muita gente desnuda circulando pra lá e pra cá e o Diabão bem à sua frente, com aquela cara de safado e aqueles chifres descomunais:-

“- Mas, que bela surpresa! Fala, Pedroca, o que tu tá mandando?! ...”

“- Eu tou procurando um sujeito, o Juvenal ...” – respondeu São Pedro, espichando os olhos pro interior do Inferno e vendo, lá no fundão, um grupo jogando pôquer em torno de grande mesa, fumando, bebendo e acompanhado de mulheres nuas que se enroscavam neles, provocantes. Antes que ele completasse a frase, um sujeito de charutão na boca, olhos injetados, cheio de cartas nas mãos, gritou:-

“- Fecha essa porta aí, pô! ... Olha a corrente de ar! ...”

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B.Hte., 06/05/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 06/05/2010
Código do texto: T2241170
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