O Gato que tentou comer o rato.

Bichano é um gato conhecido por todos no bairro que ele mora como um dos maiores caçadores de ratos. Vive numa casa bastante chique. Tem uma casinha no cantinho da sala, encostado ao sofá. Sua dona é uma menina muito linda que vive fazendo carinhos exagerados nele e, em muitos dos seus amigos. Embora muitos dos seus amigos finjam que vem lhe fazer uma visitinha, só pra filar a bóia. (Às vezes quando a mãe da sua dona não coloca ração, coloca leite bem fresquinho, ou então coloca aqueles grandes filés de carne). Nino é um deles e, pra lhes falar a verdade é o que mais vem. Aliás, é o melhor amigo de Bichano.

Nino é um gato de cor amarelo e algumas listras brancas, seus olhos são azuis como o céu. Ele é um gato muito perverso e, anda pelas ruas e em casas de seus amigos, se gabando de seus atos cruéis. Já Bichano é um gato branco da cor da neve e de olhos amarelados e não é tão cruel assim. Decerto, tem bastante comida em seu lar e a mãe da sua dona nunca deixou lhe faltar nada. Bichano só caça ratos apenas pra não perder a pratica, nem seu extinto de um bom caçador.

... Certo dia eles estavam conversando sobre as agilidades de cada um. Nesse mesmo dia estava pra acontecer o maior desapontamento na vida do gato Nino, foi assim:

Era uma bela manhã de pouco sol, pois durante a madrugada havia caído uma chuva de inverno pesadíssima.

Bichano estava comentando.

- Você realmente é muito bom caçador de ratos...

- Ratos, baratas, lagartixas, gafanhoto e muitos outros bichos. - Completou Nino com uma tremenda empolgação, lambendo o leite de Bichano, que estava num lindo pires azul e branco no chão.

- Sabe que eu não preciso caçar ratos, caça só ás vezes, apenas por esporte. Mas, tem um rato que em toda a minha vida eu não consegui comê-lo. – Disse Bichano, deitado no sofá fazendo uma tremenda cara de lamento.

- Que absurdo você está me contando, Bichano – Nino teve um imenso susto, com aquelas palavras; chegou a se engasgar, bateu com uma das patas e derrubou o pires cheio de leite no chão.

- Não foi absurdo, não – Bichano nesse momento se levantou do sofá e rastejou até o leite derramado. – Foi à pura realidade – completou lambendo o leite.

- Aonde esse roedor mora, que eu quero lhe mostrar como se tritura ratos com apenas uma mordida. – Nino enquanto falava fazia gesto com a pata e a boca lotada de dentes, como se estivesse mastigando o rato naquela hora.

Bichano tomou todo o leite que estava no chão, depois deu uma risada, debochando de Nino.

Nino se sentiu ofendido e perguntou:

- De que você está rindo, seu idiota?!

Bichano estava na realidade planejando uma boa, para dar uma lição em seu amigo, que nunca se cansa de se gabar de suas caças noturnas. Então ele resolveu açular, entusiasmar o amigo, e provocou.

- Sinto muito meu amigo, é que não pude me controlar dessa sua bravura sem chance alguma com aquele rato. – Bichano enquanto falava se embolava no chão de tanto rir, na certa fingindo.

- Você está me desafiando? Você quer ver Bichano, se eu pego ou não pego esse roedor safado e engulo-o, em apenas uma abocanhada só? – Nino Estava furioso, vendo Bichano completamente morrer de rir da sua cara. – Sinto muito se você é um péssimo caçador e, que não tenha sido um felino suficiente para pegar um ratinho de nada, um inofensivo ratinho!

Nino forçou uma risada irônica, sem a menor graça. Bichano parou de rir, se levantou do chão, chegou bem perto dele. Ficaram olho no olho, de repente Bichano deixou sair um sorriso, logo depois caiu na gargalhada, como se o que ele teve foi uma crise de risos. Chateado por demais, Nino lhe disse:

- Ora seu gato desmiolado, seu safado! Por que manga da minha cara, que sou seu melhor amigo nesse pardieiro. Acho melhor ir embora, não vou ficar aqui agüentando zombaria na cara e não poder fazer nada, Fui.

Nino correu até a janela.

- Espere – disse Bichano, imediatamente parando de rir, quase num choro. Se gato chorasse, acredite, ele estaria.

Nino já ia pular a janela para ir embora quando parou, viu que o seu amigo não sorria mais e, esperou que ele lhe falasse algo a mais.

- Então vamos apostar... Quem perder vai tomar banho na banheira da minha dona...

- Iremos apostar sobre o quê? - Perguntou Nino como se não tivesse entendido a causa da aposta, com seus pêlos todos arrepiados, com a palavra banho.

- Deixe eu lhe explicar melhor: Se você conseguir comer o rato, eu tomo banho, se você não comer o rato você é quem vai tomar um impiedoso banho de espuma e depois vai passar em seu corpo água que cheira. Está feito o trato, ou não?

Os olhos do gato Bichano chegaram a reluzir, como se fosse uma terrível ambição. Na mesma hora que foi feita a proposta, Nino com um sorriso forjado aceitou.

- É claro que aceito... Desculpe-me dizer, mas agora sou eu que caçôo de você. Patife-retardado – Sorria com gosto agora.

- Se prepare para tomar banhinho de espuma, e ficar com aquele cheirinho de perfume.

- Se prepare você para beber água... Quero dizer, para tomar banho, seu Bichano.

- Vamos parar de gracinha e vamos logo ao desafio, quero dizer você é quem vai...

- E aonde esse rato convive?

- Se você me deixar continuar...

- Desculpa.

- Ele, esse rato difícil de pegar, por incrível que pareça mora nesta mesma casa que eu...

- Ah, ah, ah. Eu sempre soube que você Bichano era um fracote de carteirinha. Toda essa comida de gente rica deixou você suficientemente leso.

- Vou fazer que nem ouvi a ofensa... Se quiser encontrar ele, espere que daqui a pouco ele passa pela cozinha, por debaixo da mesa e corre para o armário que é cheio de comida.

- Será que eu já posso trazer ele no estômago, ou você vai me dizer os cuidados que eu tenho que ter com aquele feroz ratinho – Nino fez uma voz brincalhona e sorria com pausas debochadas.

Bichano realmente sabia de algo, pois dava pra ver no seu jeito malicioso de olhar o ar. Então ele respondeu com um sorriso simpático.

- Precauções, nem cuidado algum, mas posso lhe contar que ele é bastante rápido, muito veloz, parece-me mais um super-rato.

- Agora você idiota vai ficar babando ele. E eu sou o quê? Uma tartaruga, ou um gato velho?

- Eu diria um burro, mas isso é ofender demais... O burro.

- Chega de conversa, e vamos ao ponto de batalha – Gritou o gato Nino.

Bichano ordenou pra Nino o segui-lo, até a cozinha, na porta de entrada dela. Bichano ficou, pois Nino o mandou esperar e assistir ao espetáculo da caça, e ver como realmente se captura um roedor sem futuro algum. Bichano se deitou e ficou quieto, atentamente olhando toda situação a sua volta, colocou as patinhas entre os queixos, isso antes de se espreguiçar e disse baixinho num tom de cantoria.

“Vai gatinho que o rato está sozinho

Vai gatinho que a banheira já te espera,

Para ficar tão limpinho.

Vai gatinho, me diverte com sua bravura

Tola, me faz cair numa gargalhada boa

Vai gatinho, vai gatinho, quero ver tu

Todo molhadinho”.

- Você quer calar essa matraca e para de gracinha – disse Nino que não estava rindo nem um pouquinho.

Nino ia de pontinha de pé. Era pé ante-pé e assim chegou até uma perna da mesa. De repente ele viu o rato passar, bem depressa entre seus olhos.

- Caramba! Que rato danado de ligeirinho, é uma pena não vai durar por muito tempo. – Disse em sussurros.

De tão rápido o rato entrou no armário – era um rato de pelo cinzento, com a parte de detrás bem gordinha e a parte da frente do seu corpo nem muito gordo nem muito magro. – Nino prosseguiu de pontinha de pé para o armário aonde o rato entrou. Cada passada que Nino dava Bichano fazia o som de suas andadas. Uma andada era: tam, outra tam, mais outra tam. Bem rápido: tam-tam-tam-tam-tam.

- Quer parar com isso – Reclamou Nino.

Nino chegou até o armário, e a portinha ficou entreaberta. Ele ouviu ruídos de algo mastigando lá dentro. Quando ele se aproximou da portinha, o ruído parou, o gato ficou bem quietinho esperando que o rato saísse. De repente o rato saiu correndo, abrindo a portinha na cara do gato que caiu para trás como uma tábua, num miado agonizante. Bichano morria de rir, e dizia numa cantoria.

“Vai ratão, vai ratão que esse gato é mesmo um bobão.

Ele não é mesmo de nada, ele é mesmo um vira-lata.

Vai ratão, vai ratão, mostra pra esse gato exibido

Quem é o mandão”.

Nino ainda no chão, falou olhando pro gato – Finalmente, você está de qual lado?

- Do que me faça ganhar. Estou doidinho para ver você molhadinho de espuma e com cheiro de gata da noite.

- Odeio essa prosa dele – Falou Nino baixinho.

O rato correu para se esconder debaixo da geladeira e o gato furioso foi atrás, numa velocidade arrepiante e antes de parar derrapou e parou em frente à geladeira, quase batendo com a cabeça na porta.

- Vem pra minha boca seu rato safado, sai daí seu roedor. Sai que eu quero te comer.

- Vai sonhando com isso seu gato fedorento. – Falou o rato olhando pros lados, na tentativa de fugir e ao mesmo tempo se livrando das patadas que o gato agora dava na esperança de lhe puxar para sua enorme boca.

- Pensa que é espertinho, não seu rato? Mas com alguns segundinhos vai virar picadinho.

- Vai ser difícil tu me capturar, pensa que eu sou daqueles ratos que é de vacilar, eu sou treinado e muitos gatos ainda hei de matar. - Disse o rato num tom desaforado, afrontando ainda mais o gato Nino.

- Ah, ah, ah. Ele fala tão bonitinho, mais vai virar picadinho – respondeu o gato apertando os dentes.

- Vai ficar nessa conversa fiada ou vai comer logo o rato, seu Nino pirado? – Falou Bichano brincando e ao mesmo tempo açulando.

- Você cale a boca, pois de você só quero ver o banho tomado – respondeu Nino contra a gozação de Bichano.

Enquanto isso o rato aproveitou essa distração de Nino e saiu em disparada. Foi subindo no armário como uma aranha. Nino deixou de conversar com Bichano e partiu em busca do ligeiro rato. Ele chegando ao armário a poucos passos da geladeira viu o rato lá em cima.

Lá em cima do armário havia uns recipientes, no mínimo cinco, um de guardar arroz, outro de guardar feijão, açúcar, farinha, e o último da pontinha de guardar café. O rato, que de bobo não tinha nem o rabo, jogou sobre o gato todos os recipientes. Primeiro lhe caiu à farinha que deixou Nino todo branco – Bichano assistindo de longe, só fazia rir de se acabar. Capaz de rasgar a sua própria boca de tanto mangar de Nino. Gato bobo esse.

O gato ficou todo sujo dos alimentos e por último ainda lhe caiu café, ele ficou estilo aos monstros daqueles filmes de terror, todo de preto e meio branco, com seu corpo todo granulado de açúcar. O feijão e o arroz não lhe sujaram, mas junto com os recipientes que lhe caíram na cabeça, deve de ter feito um galo enorme na testa, apesar da dor que foi elevante a qualquer outra dor insuportável. De fato o gato ficou uns dez segundos estatelado no chão como se estivesse morto. Depois se levantou cambaleando e furioso com aquela ofensa que certamente desmoraliza a raça dos felinos. Nino não quis nem saber, saiu pulando e se segurou com suas afiadíssimas unhas no armário para subir, decerto conseguiu, mas o rato desceu às pressas. E o rato lá embaixo ficou caçoando do boboca do gato.

Gato bobo, desleixado.

Gato vagabundo dorme sujo.

Gato sem futuro, sem chance

Alguma de me pegar, vai sofrer

Pra aprender que rato como eu

Não é mole de vencer.

Se quiser me comer, espera eu

Primeiro morrer, porque se for

Depender pra você me caçar vai

Morrer primeiro, sem chance

Alguma. Agora me dê licença

Que eu tenho que me mandar”.

E o rato enquanto falava estava de costas, mostrando o rabo pra mais debochar. E o gato vermelho, furioso de raiva pulou lá de cima sem medo de se esborrachar, caiu no chão, quase perto do rato, que com medo do gato fugiu às pressas. O gato se equilibrou e saiu a sua caça. E o rato avexado passava na carreira por baixo de uma mesinha da sala, e o gato mais do que avexado passava com tudo derrubando não só a mesinha, mas tudo que estivesse em seu caminho. Bichano corria atrás pra ver se realmente o gato ia perder a tal aposta. Com toda certeza ele torcia pro rato. Ele também estava mesmo era querendo ver Nino todo se contorcer de frio, do pavor da água fria.

E a perseguição continuava na sala, na cozinha, nos quartos, enfim, em todos os cantos da casa. A sorte deles foi que naquela hora as pessoas haviam saído, a menina foi pro colégio e seus pais foram trabalhar. Segundos depois a casa ficou uma verdadeira zona; a maioria das coisas quebradas, principalmente os vasos, e todos os enfeites da casa. Na cozinha os pratos e os recipientes completamente destruídos e os talheres espalhados pelo chão, o armário todo arranhado e a geladeira também. A sala e os quartos estavam todos desarrumados.

A casa decerto parecia que tinha sofrido um reboliço causado por um furacão e, em seguida um terremoto.

Na perseguição o rato de tanto correr para se livrar do perverso gato, cansou e se encostou à parede da sala. Nino também parou, e de mansinho vinha lambendo os lábios e fazendo surgir suas enormes unhas. Seu rabo balançava de um lado pro outro, como se aquilo espelhasse seu sentimento mais obscuro.

Bichano dizia pra ele mesmo que se deu mal, pensando que o gato iria comer o rato, o que era decerto, e teria que tomar aquele banho com espuma e depois teria que passar água de cheiro em todo o seu pêlo. Era com esses pensamentos que o gato Bichano se arrepiava da ponta do rabo a cabeça.

- Agora vou te engolir de uma só vez, para você morrer sufocado no meu estômago, seu rato teimoso... Não te contaram que somos superiores a vocês, espécime mínima!

- Pode até me engolir, mas mesmo assim não tenho um pinguinho de medo de você. Alguém já lhe disse que você tem um horrível mau hálito. Poxa vida, como isso fede! Você é do tipo de gato que come cocô de cachorro? Ou é carniça que urubu come? Nossa se eu fedesse igual a tua boca, preferia morrer de desgosto por ter nascido – Dizia o rato colocando a mão no nariz.

O rato tanto fez pra escapar do gato e nada adiantou. E agora o rato vai ser comido pelo gato, ou será que não? A todos me parecem que chance alguma o pobre-coitado tem.

- Chega de papo, vou te comer sem muito farrapo. Pensando melhor vou mesmo é te engolir de uma só vez pra não gastar meus preciosos dentes com carne dura de rato asqueroso e detestável.

Nino prendeu o rato com uma de suas patas, isso quando o rato tentou mais uma vez fugir. O gato se lambia que chegava a babar, em pingos grossos e todos com uma catinga de amargar. Nino abriu a boca de leve e aproximou-a do rato. O rato fechou os olhos com medo de morrer e em seguida o gato o comeu e de uma só vez o engoliu sem nada de mastigar.

- Não estava tão gostoso assim, nem gosto senti, só fedor, eca...

Só depois foi que ele veio sentir que o rato não havia escorregado por sua garganta, que de fato era estreita. Nino com uma das patas em seu pescoço ficou empurrando o rato pra ver ser ele descia. Era inútil, pois nada do rato cair em seu estômago. Ele se viu agoniado, se contorcendo no chão, diante de tanto desespero começou a ficar sem fôlego, pois o rato preso em sua garganta estava prendendo a passagem do ar. Bichano já estava conformado em ter perdido a aposta. Foi quando de repente Nino o chama para ajudá-lo.

- Mas que droga fiquei engasgado com esse farrapo de rato que não quer descer. Para de ficar me olhando assustado e vem logo me ajudar que eu estou morrendo com um rato na garganta, seu gato estúpido.

- Então quer dizer que você ainda não o engoliu por completo e nem ganhou a aposta. Sabe de uma coisa não vou te ajudar coisa nenhuma, te vira saco de pulga.

- Bichano, isso não é hora pra brincadeiras, me ajude. Faz o seguinte me traz um copo com água pra me desentalar... Seu gato miserável!

- De jeito nenhum, te vira já disse. Talvez eu vá dormir... Olha tem uma sugestão que agora me veio à cabeça.

- E qual é? - Perguntou Nino quase sem fôlego.

- Coloca uma pata na garganta e vomita o danado do rato, meu chapa – Respondeu Bichano de um jeito cômico.

- Pode ser... Quero dizer, de jeito maneira, aí eu boto o bicho pra fora e perco a aposta.

- Isso é o que dar engolir alimentos sem antes mastigar. Mamãe sempre me falou - Fez a voz da mãe – “olha meu filhinho, sempre que comer uma coisa lembre-se de mastigar bem os alimentos antes de passar pro estômago, ou poderá se entalar. Mas caso um dia venha acontecer isso com você, muito simples meu queridinho, coloca uma pata na goela e vomita todinho, depois pode comer novamente, lembrando da próxima vez de mastigar antes”.

Bichano acabando de falar, foi se deitar com alguns metros dali, de onde dava pra observar Nino, que realmente parecia que iria morrer, pois se contorcia no chão como se uma dor horrível lhe possuísse, e com um grande arquejo no peito clamava por Bichano.

Bichano agora resolveu cantar:

“Bota a pata na garganta e vomita esse rato sua anta.

É melhor perder a aposta do que morrer por causa de

Um rato de nada. Gato vira-lata” ...

- Não coloco, não coloco – Nino teimava.

- Deixa de ser teimoso e vomita de uma vez, você só vai tomar um banho. E ficará bem cheirosinho, depois o sol te seca e a lata de lixo te devolve o seu odor. Gato seboso.- Terminou de dizer Bichano.

- Isso não – falou Nino. - Você Bichano me enganou, sabia que o rato não passaria na minha goela. Você me enganou. Pilantra – dizia Nino com a voz quase fanhosa.

- Eu não te enganei, só não lembrei que isso também aconteceu comigo. – Bichano mentia de forma descarada, pois sabia de tudo. – Mas a culpa é mais sua do que minha, quem mandou não mastigar um rato tão grande desse, seu bobo comilão. Eu sabia da sua gula. Cuida logo e coloca essa maldita pata na goela e vomita, vai desesperado! Ih, ih, ih!

- Você ainda me paga amigo da onça, seu falso.

Enquanto Nino colocava a pata na goela Bichano dizia:

“Vai ficar tão limpinho, vai ficar tão descarado

Cheirosinho, tão fofinho, tão mais feio” ...

Nino estava dando engulhos, vários engulhos. Diversas vezes fez que ia vomitar e não conseguia. Até que ele se entregou ao desespero e aprofundou sua pata mais pra dentro, deu uma golfada fortíssima, mas não vomitou o rato, saiu uma coisa parecida com leite, pedaços de bolo e um bolo de cabelo e uma coisa mais nojenta ainda, uma papa de feijão. Mas o rato se segurou na pinguela da garganta do gato.

- Droga de rato – falava com a boca cheia – ainda insiste em ficar na minha garganta. Sai, sai, sai daqui seu roedor – dizia o gato cuspindo e nada do rato se soltar.

O rato lá de dentro dizia:

“Daqui eu não te largo

Daqui eu não me solto

Fico aqui até te matar”

“Gato miserável, sem coração

Vou te dar uma lição para

Nunca mais você esquecer”.

- Sai, sai, sai daí seu roedor que mais me parece um lixo de tão fedorento.

- Está em apuros, heim Nino? Você não é um dos maiores caçadores de ratos, baratas, lagartixas, gafanhotos e outros bichos? Parece-me que sua fama vai pro brejo, quando eu contar pra turma você não vai mais ficar se gabando, nem contando vantagem dizendo que é o tal!

- Para com isso, Bichano, até parece que está do lado dos roedores – disse Nino choramingando.

- Não estou do lado de ninguém. Só resolvi depois de diversos dias pensando como eu te daria uma lição e, de repente, observei o rato que também me deu várias dores de cabeça, e como você um dia me contou que todos da sua família, principalmente você tem a garganta estreita, então a idéia se misturou uma noutra e deu no que deu. Ou seja, você entalado com um grande pedaço de rato ainda vivo na garganta.

Bichano sorria por seu plano ter dado certo e Nino com o corpo e a alma em fúrias; seus olhos vermelhos de ódio, disse contragosto mordendo os lábios.

- Está certo Bichano, você já me deu a tal lição, eu também perdi a tal aposta vou cumprir o trato que nós fizemos de se caso eu perdesse, eu iria tomar o banho com espuma... Agora pelo amor de Deus, tire esse maldito rato da minha garganta que já estou ficando louco, já não agüento mais!

- Assim é que eu gosto de ver: um gato que sabe reconhecer quando perde. Brilhante, muito bom mesmo. - Vinha Bichano pra ajudar Nino a tirar o rato da sua garganta. Embora ele viesse, estava muito calmo, relaxado, como se estivesse com muita preguiça de andar e bastante sono.

- Pára de moleza e caminha depressa!

- Pra que a pressa, Nino? Eu garanto a você que chego ainda hoje, antes de você morrer – vinha ele agora num estilo de andar igual a um modelo, com vários bocejos por sinal.

Quando Bichano chegou perto de Nino teve outra idéia.

- Ah! Espere aí, Nino, volto já.

- Como se eu fosse para algum canto – Resmungou o gato.

Bichano saiu correndo desembestado e entrou no banheiro deslizando pelo chão de cerâmicas (tão lindas e tão cintilantes da cor azul) como se alguém tivesse passando cera sobre elas. Ele com as duas patas abriu a torneira e deixou enchendo, logo depois deixou cair de propósito uma caixa de sabão em pó. Bichano saiu correndo e voltou para onde estava. Nino estava no chão, parado com ar de morto, parecia que ele havia se entregue ao destino que lhe pregaram.

- Pronto, agora posso te ajudar com todo amor – Bichano tinha uma voz fingida e o seu sorriso ia de orelha a orelha e seus dentes tão branquinhos cintilavam na mais pura malícia de seus pensamentos.

- Já não era sem tempo... Sei que você está aprontando mais uma das suas, seu amigo falso, salafrário.

E o rato lá de dentro gritava. Zombando do gato.

- Não respira, não respira se não eu morro! Que desgraça de bafo é este? Se seu estômago está com as tripas podres? Elas devem estar que é pura carniça.

Nino de propósito deu uma baforada e ficou respirando forte só pra provocar o danado do rato.

- Meu Deus, eu acho que vou vomitar, estou tão enjoado – falou o rato aparentando estar passando mal.

- Não vomita, não! Não vomita, que porcaria... Ele vomitou.

- Desculpa!

Nino ficou enojado e cuspiu aquela gosma amarela, que mais parecia pasta de queijo. Bichano mandou Nino segui-lo.

- Vamos logo Nino, antes que eu vomite os bofes. Você realmente é um gato nojento!

- Nem quero, nem vou – Nino teimou outra vez.

- Não quer mesmo tirar esse rato da sua boca?

Nino pensou um pouquinho e respondeu com angústia – está bem, quero. Vamos rápido.

Bichano o levou até o banheiro e lhe explicou o que iria fazer para se livrar do rato.

- Olha, preste bastante atenção. Eu preciso que você, fique na frente dessa porta, aí eu venho e bato nela por trás. Você recebe uma pequena pancada e o rato pula pra fora de você e cai bem dentro dessa banheira aí, cheia de água com espuma.

- Tem certeza que isso vai funcionar?

- É claro, mas fica de boca aberta...

- E você já fez isso antes, Bichano?

Bichano ficou pensando um pouco e lhe respondeu imediatamente. – Não, você será o primeiro. Vai ser a cobaia.

- Sou o quê?

- A cobaia, seu idiota. Você também é surdo, é? – Gritou o rato enfurecido lá de dentro.

- Cale sua matraca, seu infeliz. Não quero conversa com você agora, daqui a pouco sim, quando você estiver fora daí...

-Está preparado? – Perguntou Bichano.

- Estou... – Respondeu o rato e o gato ao mesmo tempo.

- Não seu rato estúpido, eu é que estou! – Disse Nino.

- Eu também estou seu gato vira-lata de uma figa.

- Está bem, parem os dois... Vocês dois estão preparados? Então lá vou eu!

Bichano foi pro lado de fora do banheiro e Nino ficou com a parte do traseiro na porta. Do lado de dentro, na sua frente à banheira cheia de água com espuma bastante cheirosa. Ele de olhos fechados ficou esperando só a pancada que viria em seqüência. Com a boca aberta, para que na hora da pancada o rato voasse na banheira. Nino ainda escutava o berrar do rato que reclamara do seu horrível mau-hálito.

- Se preparem – falou Bichano – quando eu contar até cinco vou empurrar a porta com toda a minha força... Lá vou: Um, dois, três e cin...

- Espere, espere seu idiota! – Interrompeu Nino.

- O que foi dessa vez? - Perguntou Bichano.

- Depois de quatro é que vem cinco, seu semi-analfabeto.

- Tem certeza?

- É claro que ele tem né seu paspalhão – disse o rato concordando com Nino e começando a contar. – O certo é um, dois, três, quatro e cinco. Entendeu?

- Está bem, tá bem... Eu não estudei muito, tá bom. Vamos começar outra vez. Se preparem... Um, dois, quatro, três e cinco.

Blam!... Foi o que se escutou. O rato ia reclamar que o gato tinha contado errado e Nino também, mas havia dado quase no mesmo, ele só contou os números incertos. O gato de boca aberta viu o rato pular pra dentro da banheira e desaparecendo na espuma. Bichano entrou segundos depois e viu Nino passando a língua entre os lábios e passando as patas no pescoço, fazendo sinal de que estava livre daquele incômodo.

Nino fez cara de mal para Bichano, e se lembrou do rato. Imediatamente correu pra ver se ainda tinha chance de pegá-lo na banheira. Ele ficou por ali, nas bordas caçando o rato com as patas dentro da banheira. Bichano viu aquela oportunidade de empurrar Nino pra dentro dela, e foi o que ele fez na maior cara-de-pau. Bichano com um miado alto como se estivesse querendo dizer “bebe água gato amostrado” o empurrou com todas as suas forças e ainda completou dizendo:

- Entra na banheira gato cascão e toma teu banho pra ficar cheiroso!

Nino caiu naquele mar de espuma de rabo pra cima, ficando engasgado com a água e sabão que cheirava a jasmim.

- Gato malvado! Como é que você tem coragem de fazer isso com seu melhor amigo? – falava Nino choramingando e soluçando como se aquilo tivesse partido seu coração e sua amizade.

- Chora gatinho feio com medo de água. Vê como é gostoso um banhinho às vezes.

- Não concordo com você, preferia estar na lata de lixo, todo catinguento.

E o rato saia de mansinho do outro lado da banheira todo cheio de espuma sobre seu corpo e dizia no deboche.

- Deixa de ser chorão seu gato cascão... Até a próxima come lixo! Eu bem que lhe disse que iria vencer... Até mais Bichano.

- Até... – Disse Bichano sem querer.

Nino tentava se levantar pra ver se ainda alcançava o danado do rato, que correu pra fora do banheiro deslizando e sumindo de vista em seguida. Bichano depois que afundou a cabeça de Nino por diversas vezes na água, teve, enfim, seu gozo. Depois resolveu abrir a rolha da banheira para secá-la. Quando a banheira secou, Bichano ligou a torneira e disse pra Nino que era o único jeito dele não ficar por mais tempo com aquela espuma em seu corpo. Então Nino contragosto concordou, já que também estava todo ensopado.

Depois de muito tempo Nino estava se secando com o secador de cabelos no quarto da mãe da dona de Bichano. Seus pêlos ficaram todos espantados, parecendo gato de pelúcia, bem fofão. Bichano não parava de sorrir, o chamando até de gatinha fofinha. Minutos depois eles ouviram quando um carro chegou à porta. Ficaram de ouvidos atentos, e escutaram quando a mulher entrou na casa e berrou:

- O que foi que aconteceu por aqui? Só pode ter sido aquele gato maldito daqui e seus amigos vadios. Bichano onde está você seu gato folgado. Saco de pulgas?

Bichano e Nino se tremeram de medo, um olhando mais aterrorizado do que o outro.

Bichano completamente desesperado disse:

- Só tem uma coisa que podemos fazer agora, Nino.

- E o que é? – perguntou ele.

- Pernas pra que te quero!... Corre gato besta!

Bem nessa hora a mulher abriu a porta do seu quarto e encontrou os dois na sua cômoda se preparando para correr. Ela já vinha pronta com uma vassoura na mão. Bichano correu para um lado do quarto e Nino para o outro. A mulher mesmo assim conseguiu acertar pelo menos uma vassourada em cada um. Eles gritavam com gemidos de dor, miados se ouviam na casa.

- Corram daqui seus dois gatos vagabundos! Quebraram-me a casa quase toda, desgraçados. E ainda mais me desaforam, ligam meu secador de cabelos. É muita mordomia desses pulguentos...

Horas depois quando a noite chegou, Bichano se escondeu em cima do telhado aonde a mãe da sua dona não podia lhe pegar. Ele olhava atentamente para a rua. E na calçada viu Nino, aquele gato bobo, seguindo o que lhe parecia um rato, o mesmo de agora à tarde. Nino corria na esperança furada de comer o rato e dizia:

“Não pode correr vou te comer, não pode se

Esconder, eu vou te morder, vou te mastigar

Até me satisfazer seu roedor. Vai me pagar o

Aperto que passei hoje”.

E o rato fugindo lhe respondia com veemência:

“Vou correr, e não vai me comer, posso me

Esconder pra você não me morder e ninguém me

Cobra nada, então a ninguém eu vou pagar, vai

Se catar gato sarará de uma figa. Já sabe, se mexer

Comigo de novo vai se engasgar, posso até da

Próxima vez te matar”.

E Nino ficou naquele, pega, mas não pega, até que o rato entrou num bueiro do esgoto da rua e ali se escondeu. O gato ficou tentando lhe pegar com uma das patas e suas unhas afiadíssimas, mas não teve muito sucesso. Decerto, o bueiro era largo e um pouquinho fundo, sem nenhuma chance pro safado do gato. Bichano em cima do telhado olhava e ria.

Quando mais tarde o ambiente esfriou, Bichano resolveu correr para o quarto da sua dona, a menina que lhe ama tanto e que jamais lhe bateria.

Nino o gato bocó, acabou dormindo com a mão dentro do bueiro. O rato que não era bobo nem nada percebeu, e subiu pela própria pata do gato e foi pra sua casa. Nino só se acordou com a chuva que começou a cair. Ele se acordou furioso quando não viu mais o rato no bueiro. Jurou que outro dia capturaria o rato; e agora resolveu também ir pra sua casa, que era num beco diagonal, numa lata de lixo extremamente fedorenta, chegando lá dormiu novamente, antes colocou a tampa da lata sobre ele e foi aquilo que lhe protegeu da chuva naquela noite.

Bichano dormia num quarto quentinho com sua dona-menina, coberto por um cobertor bastante confortável e fofinho. De vez em quando lambia o rostinho da menina, como forma de carinho e a menina faziam cafuné em sua barriga com jeito de amor. Quando amanheceu a chuva parou, surgiu um lindo sol que secou lentamente as calçadas e casas daquela rua, e o vento batia nas folhagens das árvores brandamente como sempre fazia todas as manhãs.

Ben Rogers
Enviado por Ben Rogers em 22/05/2010
Reeditado em 01/08/2014
Código do texto: T2273206
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