O dia que João pegou a cadeira, levou para o quarto, subiu, caiu e morreu!

Era uma quinta-feira, por volta das onze e meia da manhã, o sol brilhava com toda a sua intensidade em um céu sem nuvens, os passarinhos cantavam a plenos pulmões uma melodia que apenas as pessoas profundamente ligadas a natureza poderiam admirar e compreender.

Joãozinho ainda estava deitado, dormindo profundamente, pois havia ido dormir as quatro horas da madrugada devido a um trabalho escolar que precisava estar pronto para ser apresentado na feira de ciências, que estaria sendo realizada naquele dia na escola onde ele estudava. A escola em questão era muito rigorosa, passava pesadas lições de casa para seus alunos, mesmo os de quinta série como era o caso de Joãozinho. Ele nunca gostou daquela escola, muito menos de estudar, mas, se esforçava ao máximo pois temia a reação de seu pai se as suas notas viessem baixas e, temia a reação dos professores se as lições de casa não viessem perfeitas.

Um dos professores do qual ele mais tinha medo era o professor Ambrósio Lima, o professor de ciências, foi ele que deu a ideia da feira de ciências, quem decidiu o que cada aluno iria apresentar e como cada um dos trabalhos deveria ser apresentado. O trabalho de Joãozinho, que era sobre vasos comunicantes. Ele deveria demonstrar que se dois recipientes do mesmo tamanho e formato estivessem interligados por um canudo em sua parte inferior, e depois fosse colocada água em um deles, a água seria dividida igualmente entre os dois apresentando o mesmo nível.

Este trabalho deveria ser entregue com uma etiqueta adesiva contendo o nome do aluno, número de chamada, a série e o nome do querido professor (segundo as instruções passadas no quadro pelo próprio professor Ambrósio), aliás, para todos os trabalhos de ciências, escritos ou práticos, uma etiqueta daquelas era exigida, tanto que Joãozinho até mandou fazer dois rolos daquelas etiquetas. Um que ele levava em sua mala e outro que ficava guardado encima do armário, para quando o primeiro acabasse.

Joãozinho acordou, levantou-se ainda meio sonolento e tropeçou no material que tinha usado em seu projeto de ciências, por pouco não levou um tombo. Continuou andando até o banheiro para dar a sua tradicional urinada matinal, como fazia todas as manhãs ao despertar. Nem mesmo percebeu que ao tropeçar ele havia deixado uma faca de ponta em pé apoiada em seu sapato.

Ao sair do banheiro ele percebeu que estava sozinho em casa, pois era o dia de folga da empregada, que era quem deveria limpar a bagunça que ele deixou em seu quarto. Seu pai um famoso advogado de defesa criminal, havia ido trabalhar em um caso muito importante onde o réu era "suspeito" de centenas de assassinatos hediondos onde as vítimas eram violentamente agredidas e torturadas até a morte, felizmente não havia nenhuma prova concreta contra Juzé du Diabo, a não ser as historinhas que ele escreve, mas que segundo ele alega, "são apenas frutos de uma imaginação muito fértil". A mãe de Joãozinho, que já não aparecia mais em espirito para ele a três dias, morreu em um acidente de carro a duas semanas atras. Ele ainda não estava recuperado de seu sentimento de perda, e por isso "imaginava" ver o espirito de sua mãe pela casa em uma tentativa de compensar o trauma, isto segundo o psiquiatra infantil que ele começou a freqüentar desde o dia em que sua mãe morreu. Joãozinho as vezes desejava morrer também para ir ao encontro de sua mãe, que segundo o que o "padre" falou, estava no "céu".

Joãozinho ainda queria tomar um café da manhã, mas teve que deixar o seu sucrilhos e seu pão com manteiga para depois, pois olhou no relógio e percebeu que só tinha meia hora para se arrumar e ir para escola, hoje ele não podia de maneira alguma se atrasar.

Ele se vestiu rapidamente com o uniforme da escola, que por sinal tinha uma combinação com amarelo e um tom de azul muito irritante e vergonhoso de usar na rua, pegou o seu projeto e o levou para a sala. Só então reparou que ainda não havia colocado a etiqueta exigida pelo professor. Correu até a cozinha, onde estava a sua mala e começou a procurar: Tirou o caderno de português, matéria que ele odiava apesar da professora ser legal, tirou o caderno de ciências, matéria que ele gostava apesar do professor ser uma ameba galopante, que era como os alunos o chamavam pelas costas, e finalmente achou o seu rolo de etiquetas, que para sua surpresa continha apenas uma etiqueta rasgada na qual ele anotou o telefone de Lúcia, a menina mais bonita da sala, era nela que ele tirava forças para estudar, acreditava que tirando boas notas sempre poderia ir a casa dela para ajuda-la a "estudar para a prova". Correu para o seu quarto e tentou pegar o rolo de reserva que estava encima do armário, mas o rolo tinha rolado até a parede, muito longe para o pequeno braço de Joãozinho alcançar, mesmo ele estando sobre a cama. Joãozinho pensou um pouco, e lembrou da cadeira de seu pai, que era a mais alta e também a mais bonita e antiga da cozinha, ela antes havia pertencido a seu avô e foi deixada de herança no dia em que o avô morreu em uma estúpida briga de bengalas no asilo. Joãozinho correu até a cozinha e reparou que só tinha mais cinco minutos para sair correndo para escola, levou a cadeira para o quarto e subiu nela correndo. Infelizmente, nem assim ele conseguia alcançar as etiquetas. Ficou nas pontas dos pés, que ainda estavam descalços e com a ajuda de uma caneta estava conseguindo alcançar o rolo. Seus dedos do pé já estavam doendo e ele num impulso conseguiu apanhar as etiquetas, no mesmo momento em que Lúcia bate a campainha de sua casa e grita:

—— Vem João! Senão agente chega atrasado na feira de ciências!

Lúcia e Joãozinho haviam combinado de ir juntos a escola, mas com a pressa Joãozinho nem se lembrava mais. Com o susto que levou na hora que a campainha tocou, se desequilibrou e caiu da cadeira, bem encima da faca, que perfurou os seus intestinos. Joãozinho começou a berrar de dor, e o seu sangue tipo O negativo que é o "doador universal", vazava e manchava o carpete novo de seu quarto e sua camisa branca do uniforme da escola. Um liquido amarelado e fétido lentamente vertia dos intestinos perfurados, aumentando o pavor de Joãozinho. Lúcia não entendia por que ele estava gritando daquela maneira, pensando que era uma brincadeira de mal gosto o chamava impacientemente.

Passados dez minutos, o pai de Joãozinho volta para casa para almoçar e pergunta para Lúcia o por que dela e Joãozinho não estarem na escola, ao que ela respondeu:

—— Eu já estou aqui a um tempão chamando por ele, e ele só fica ali dentro gritando. Ainda bem que você chegou, agora ele pelo menos parou de gritar.

Richard Latão, Pai de João, preocupado que o filho pudesse estar tendo "alucinações" novamente, entra em casa e acha seu filho: João Latão, morto, completamente coberto de sangue. Lúcia impressionada com a cena desmaiou e caiu encima das etiquetas, que grudaram em seu cabelo. Richard chorando com a cabeça baixa pergunta para si mesmo:

—— Mas como é que isso foi acontecer? Meu Deus! Como isso foi acontecer?!

Neste momento, eu, que sou um de seus clientes mais importantes, entro na sala. Olho para o menino morto, para o quarto, depois para o pai e conto para ele nos mínimos detalhes, mas sem enrolação, porque eu não sou de me enrolar, de maneira que qualquer um poderia entender o que aconteceu com João. Eu disse:

—— João pegou a cadeira, levou para o quarto, subiu, caiu e morreu! Foi isso.

Fim

Por

Z'.

PS: Uma das primeiras coisas que escrevi na vida, diretamente de um caderninho embolorado adornado com centenas de rabiscos demoníacos de minha adolescência.

PS2: Na época, eu Assinava Z', de Z' do Caixão e depois Juzé du Diabo (apelidinhos carinhosos recebidos de meus amiguinhos da época)

=NuNuNO==

(Que vendo o que escreve hoje, não sabe se aprendeu alguma coisa, ou se está esquecendo de algo.)

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 03/10/2010
Código do texto: T2534732
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