DOCE MENTIRA

Pela BR-262 – viajando na direção que o sol se põe – vai-se primeiramente ao Triângulo Mineiro, passa o Pantanal Mato-grossense, cruza a Cordilheira dos Andes, até chegar ao Oceano Pacífico. Mas bem antes, logo aqui na frente, dividindo terras com Bom Despacho, está o município de Moema. Assim começa a pantomima: segundo alguns estudiosos de tupi-guarani o nome da cidade quer dizer 'Doce'. Outros, também estudiosos, brigam pois o significado seria 'Mentira'. Alheios a picuinhas de linguistas desocupados o Netinho bombeiro e seu auxiliar Marcola, desfrutando fama de bons profissionais, foram à vizinha Moema consertar encanamentos.

Ao fim do trabalho, querendo voltar, na rodoviária souberam que o último ônibus já havia partido. Restou-lhes carregar as sacolas de ferramentas até a BR, para então pedir carona. Beira de rodovia não é preciso que eu agoure: acontece de tudo! Não deu outra. Sinal feito, uma kombi de rifeiro – pessoa que lota o veículo de bugigangas e vai vender no Acre, Rondônia e adjacências – parou. Malandro, o Marcola bateu ligeiro a bunda no banco da cabine, sobrando ao Netinho arranjar espaço para si e as mochilas entre girafas e ursinhos de brinquedo, no compartimento traseiro.

O caroneiro bem não fechara a porta, e o motorista arrancou de quinta, deixando ele estatelado no acostamento. Ainda zonzo, o bombeiro descobriu que com o safanão sua carteira, e todo a grana do acerto caíra no mini-zoológico de espuma! Lembrando os credores, o Netinho passou a acenar para tudo quanto era carro. Até que um fusca azul-calcinha parou, saltando ele dentro. De fôlego recuperado, pôde observar a figura estranhíssima do chofer, vestindo macacão tamanho duas vezes maior que o corpo e abotoado no gogó; num pé calçava tênis e no outro botina; pixaim alvoroçado parecendo capacete de astronauta; olhos esbugalhados; boca sem dentes... que até bateu queixo quando o carona prometeu-lhe gorda recompensa para alcançar o rifeiro, antes do trevo de Bom Despacho.

Na Reta das Laranjeiras os veículos emparelharam-se. Desesperado, o Netinho gritava gesticulando para que o motorista da kombi estacionasse no acostamento. Mas o zoeirão dos motores pedindo retífica e os vidros fechados impediram a comunicação. Certo de que o patrão viajava na traseira, em meio à bicharada, o Marcola imaginou estar vendo assombração – ao vislumbrar o E.T. no volante do fusca. Advertido, o rifeiro pisou fundo no acelerador.

Era a kombi na frente e o fusca atrás; ou a kombi atrás e o fusca na frente, pega não pega! Pelo subidão depois da ponte da Laginha, com motor fundido e já envolto no maior fumacê - tendo o fusca do E.T. no retrovisor -, o rifeiro deu seta à esquerda como se fosse entrar pela contramão, no pátio do Posto Rodão. Mas na hora agá embicou a frente seu zoo ambulante rumo à portaria do Motel Paradise!... De lado, arregalando duas batatas de olhos e esquecido da recente conversão a evangélico, o Marcola invocou aos gritos - Valei-me, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 18/10/2010
Reeditado em 20/04/2012
Código do texto: T2562956